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Apesar de não ser um fã daqueles, gosto bastante da obra de David Cronenberg, para lá de todas as reflexões intelectuais que lhe queiram atirar sobre a desconstrução que faz do corpo através de pressupostos tecnológicos e a relação com a tecnologia e o metal, e essa coisada toda. O homem fez "A mosca", "Videodrome", "Scanners" e "The dead zone". São bons filme,s para lá de qualquer intelectualidade. Se quiserem, Cronenberg é uma espécie de Lycnh, mas musculado e definitivamente mais acessível: Lynch navega por terrenos estranhos, claro, mas dentro dos limites alargados da sua própria estranheza. Cronenberg aplica-a directamente no quotidiano: "Naked lunch" é uma trip psicadélica de veneno para insectos e "Crash", um filme choque que não tem nada aspecto de filme choque, mistura sexo, acidentes de automóvel e pessoas que parecem ter perdido a noção da sua própria carnalidade. Porra, agora sooei intelectual.
Foi por isso com surpresa que Cronenberg estreou, há 3 anos, "A history of violence", um filme que aparentemente nada tem a ver com ele: seco, simples, normal. No entanto, a tirarmos a primeira camada, Vemos que Cronenberg está afinal a analisar um tema simples e que tem muito a ver com ele: a violência como um vírus que afecta quem lhe toca. "A history of violence" é, basicamente, o que acontece quando se tenta fugir da violência e não se consegue. Em "Eastern promises", Cronenberg entra num segundo round com temática violenta, mas aqui o ângulo de abordagem é outro: pegando numa das únicas organizações mafiosas em que Scorsese não meteu a mão, a russa, e situando-se em Londres (uma Londres muitíssimo subtil, sem os pontos turísticos habituais), o realizador canadiano conta a história de uma parteira, Anna Ivanovna (Naomi Watts), que assiste uma adolescente a dar à luz. Esta mrre, mas o bébé sobrevive e Ivanovna, querendo impedir que o órfão caia nas malhas da adopção, tenta encontrar os parentes da morta. Para isso, tem apenas o diário da jovem, e é assim que dá com Semyon, um russo dono de um restaurante e que é, sem ela saber, líder uma família dos vory e zaconne. Semyon tem um filho, Kirill (Vincent Cassel), que é o seu subalterno principal e cujo guarda-costas e principal amigo é Nikolai (Viggo Mortensen). A procura começa a partir daqui.
O filme é um portento de economia narrativa, estabelecendo personagens e relações importantes com eficácia: ocasionalmente, surge a voz-off da morta, lendo passagens do sue diário que nos confronta com a sua procura do sonho europeu, algo que sabemos de antemão ir acabar mal. É a partir da sua história que o mundo do crime é abordado, pelo contabando e a maneira como as mulheres são transformadas em objecto pela crime. A morte do sonho é um tema que perpassa o filme. Nikolai, Anna e Kyrill, não revelo porquê, são 3 exemplos. E não querendo voltar à mesma história, quanod nos é dito no filme que a história da vida de um criminoso russo é contada através das suas tatuagens, está claro que esta fita tem uma relação muito próxima com o corpo e as suas mutações. Na verdade, no caso de Nikolai, a definição da história que é contada pelo nosso corpo, é ainda mais premente. Vejam o filme e dpeois falamos sobre este ponto. Cronenberg consegue realizar um thriller sem artifícios de thriller, de tal forma joga com as ligações entre os personagens e as emoções que daí advêm. Isto, meus amigos, não é para todos.
Armin-Mueller Stahl é um chefe criminoso ameaçador, enquanto sustenta o ar de avô; Vincent Cassel faz de Kirill um miúdo que quer a aprovação do pai e parece um miúdo irresponsável e frágil sem a presença de Nikolai, que é um irmão e objecto de um estranho desejo; mas a grande interpretação do filme é Viggo Mortensen, que, tal como em "A history of violence" é muito mais eficaz na subtileza do que na intensidade evidente do seu registo. Em "Eastern promises", Mortensen acerta o sotaque, a pose, o estilo, mas acima de tudo enche o personagem de pequenos pormenores de humanidade, enquanto corta dedos e degola pescoços. Convencer-nos de que é um homem como nós enquanto causa estas barbaridades é obra. E a cena em que, completamente nu numa sauna, defronta dois chechenos, vai ficar com o espectador muito depois de ter visto o filme. É uma garantia pessoal.
Questões artísticas e intelectuais à parte, é um Cronenberg em versão contida, mesmo comovente (e como é raro utilizar este adjectivo com Cronenberg, mas é plenamente m,erecido), mas ainda assim um Cronenberg vintage, um grande filme para quem não goste de ver cabeças a explodir, homens transformados em insectos e insectos humanos. Para isso, a gerência recomenda os Cronenbergs sem Mortensen.
1 comentário:
o filme é bom sim senhor. Recomendo.
p.s- bruno, parece-me que Lynch é uma coisa e cronenberg é outra. Cada um à sua maneira.
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