segunda-feira, janeiro 07, 2008

O génio


Este início de 2008 começou com atrozes dúvidas, relativas a assuntos que não são atrozes. A nossa capacidade como seres humanos é precisamente esse toque de ampliar o dramatismo das coisas.
Para dar uma prenda a mim próprio, fazer-me sentir seguro, revi "Pulp fiction", uma daquelas coisas coisas que lava os olhos e os ouvidos de qualquer espectador comum. Já não lhe punha a vista em cima há uns anos, e como em qualquer óbvio candidato a clássicl, a coisa ainda funciona: diálogos quase perfeitos, estilo distinto, boas interpretações, cenas memoráveis e citações imediatas. Tudo o que faz um filme durar está ali. É tentador aplicar a Tarantino a palavra génio.
Hoje, no meio da tralha dentro de um DVD que um amigo meu fez o obséquio de gravar, encontro um documentário acerca da obra de Stanley Kubrick. Eis um realizador que, apesar de já ter visto praticamente toda a obra, é um daqueles deliciosoos mistérios que estou sempre à espera de ter vontade para descobrir. Porque uma coisa é ver os filmes de alguém, outra é descobri-los realmente. Apercebi-me da subtil diferença entre os dois conceitos quando tive de reduzir o fascínio que a obra de David Fincher me provoca num trabalho escrito de 50 e tal páginas. É desumano fazer isso, traçar um mapa, e com legendas, da nossa sensibilidade e identidade fílmicas; e no entanto, agradeço não ter sido obrigado a igualm empreitada com Kubrick. Só confrontado com a enormidade do demiurgo norte-americano, mesmo tendo este uma lista de filmes relativamente curta, é possível um cinéfilo aperceber-se de como funciona a cabeça de um realizador total. Cada um tem o seu modelo de realizador e escolhe aqueles de quem gosta nesse modelo: há quem goste dos visuais; dos palavrosos; dos sentimentalões; dos secos; dos que dominam a técnica. Há gostos para tudo. No final do documentário, relembrei o que senti quando vi cada uma das obras de Kubrick e apercebi-me o quanto gostava dele e o quão difícil seria categorizá-lo. Apenas uma palavra me parecia justa: génio.
Eis um epítet abusado hoje em dia. Qualquer um pode tê-la chapada na cara. Muito poucos a merecem. Não vou estar aqui a discutir a definição de genialidade, mas comecei a pensar se Tarantino e Kubrick merecem ser ambos chamados de génios. Acho "Pulp fiction" um filme praticamente perfeito, uma obra inovadora, que nos deu, quanto mais não fosse, a noção de que a conversa de chacha pode ser ouro cinematográfico. Mas olhando para toda a obra de Tarantino até agora (e esta obra tem pelo menos "Cães danados " e "Jackie Brown" como produtos de categoria), é fácil entender o abismo que existe entre ambos. Qualquer obra de Kubrick desde Spartacus foi praticamente sempre a estender os limites do género e do estilo de filmar, para além de, em casos específicios, ele estar uns dez anos à frente de tudo o que se fazia no cinema. Isso é génio. Tarantino é muito bom, qualquer um vê. Mas há tipos que estão para lá do que é ser bom, bem além da excelência.
E esses merecem todo um vocabulário à parte.

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