sexta-feira, novembro 18, 2005

Seriedade

E agora espaço para alguma seriedade: em homenagem às hras que passei fechado numa sala da Universidade hoje, deixo um excerto do meu trabalho de seminário do ano passado, sobre as razízes ocultistas do Partido Nazi.



Uma história que define bem a diferente percepção do mundo que os Nazis tinham da nossa é contada pelo massagista de Heinrich Himmler, o doutor Kersten. Conta ele que, numa manhã de Inverno de 1942, entra-lhe o seu famoso paciente no seu consultório. Vinha triste e acabrunhado, tendo-se virado para o doutor dizendo: “Caro senhor, estou numa terrível angústia.” Kersten tremeu: estaria Himmler a começar a duvidar da vitória? Obviamente que não. Começou a sessão de massagens e Himmler explicou calmamente o seu problema: Hitler compreendera que não haveria paz na Terra enquanto continuasse com vida um único judeu que fosse… Ordenara então a Himmler que liquidasse imediatamente todos os judeus em poder dos Nazis. Tendo-se calado de seguida, Kersten pareceu vislumbrar um sentimento positivo pelas palavras do líder das S.S, no mestre da Ordem Negra, talvez piedade por todas aquelas almas. Disse esperançosamente: “Sim, sim, sei que no fundo da sua consciência não aprova essa atrocidade… Compreendo a sua tristeza horrível.” A resposta de Himmler deixou Kersten aterrado: “Mas não se trata disso! De forma nenhuma! Não está a perceber!” Ele lá lhe explicou o que o afligia: o Fuhrer pedia-lhe que suprimisse milhões de pessoas de imediato. Era uma tarefa extenuante e Himmler estava sobrecarregado de trabalho nas S.S. Era desumano exigir um redobrar de esforços. Fora o que lhe dera a entender, Mas Hitler não ficara satisfeito, ficara furioso e Himmler arrependia-se agora de ter sido egoísta naquele momento.
Para Himmler, portanto, o problema não era o de ordem moral e de direitos humanos: era apenas o da sobrecarga do trabalho e do facto de ter desiludido o seu líder bem amado. O caminho que leva um ser humano a encarar a morte de outros como um número e não na sua verdadeira percepção é aberrante. Embora nos permita compreender a maneira como os Nazis puderam contemplar e executar a chamada “Solução final”, não explica cabalmente todo esse horror. O objectivo deste trabalho não é, de forma alguma, explicar definitivamente o que terá precipitado os eventos que decorreram durante o regime nazi, ou mesmo a sua ideologia. Assume-se apenas como um ponto de vista alternativo, que tentou provar a influência estrangeira, mais que nacional, na ideologia nazi, mostrando de facto a permeabilidade das ideologias nacionais, por mais arreigadas que elas sejam e também os pontos de união que por vezes existem em mitologias de países geográfica e culturalmente diferentes.
Poderia continuar a referir outros pormenores bizarros da curta história do regime nazi. Por exemplo, quando, em 1943, Mussolini cai, o Fuhrer reúne numa vivenda dos arredores de Berlim os seis maiores ocultistas da Alemanha para descobrir o local onde o Duce está prisioneiro. Este interesse pela astrologia não é nada de novo: o próprio Hitler acreditava que era médium. Além disso, acreditava em sinais dos astros e no destino. Ele conhecia o que uma astróloga inglesa chamada Elsbeth Ebertin tinha escrito num almanaque intitulado A glimpse into the future: “Um homem de acção nascido a 20 de Abril de 1889, com o Sol a 29º de Áries na altura do seu nascimento, pode expor-se a perigo pessoal por acções excessivamente impetuosas e, segundo todas as improbabilidades, despoletará uma crise incontrolável. As suas constelações mostram que este homem deve ser tomado seriamente. Está destinado a desempenhar o papel de Fuhrer em futuras batalhas…” Hitler nasceu na referida data e em 1923, ano do almanaque, dá-se o Putsch da cervejaria, em Munique. É de facto de uma coincidência arrepiante, mas Hitler acreditava que não havia coincidências. Brannau-Inn, terra natal de Hitler, era aliás, um viveiro de médiuns, ou pseudo-médiuns. O próprio Hitler afirmava ter tido um sonho premonitório, quando combatera durante a 1ª Guerra Mundial, ao sonhar que se encontrava soterrado de destroços de aço e lama. Ao acordar, ergueu-se temerosamente e entrou em terra de ninguém, apenas para ver a caserna onde estava ser atingida por fogo inimigo. Verdade ou não, mostra pelo menos a predisposição do líder do Partido Nazi para aceitar um lado alternativo e oculto da vivência humana.
Acredite-se ou não nesse lado oculto, ou em qualquer uma das influencies externas que referi ao longo do trabalho, o certo é que o Nazismo continua a ser algo que não sai do nosso quotidiano e que continua no seu mistério a fazer os cientistas pensarem, ou a fazer alguns escritores sensacionalistas inventarem numerosas teorias absurdas sobre a figura de Hitler e o funcionamento do Partido. No entanto, a pior herança do Nazismo acaba por ser a da memória: a palavra nazi tem hoje a pior das conotações e a única acção efectuada para tentar clarificar o funcionamento do regime nazi e punir os culpados de crimes contra a humanidade, os famosos juramentos de Nuremberga, acabaram por ter um saldo negativo. Primeiro, a nível de conhecimento do que era o Nazismo, pois muitos dos réus nem sequer admitiram a sua culpa (porque, tendo em conta a sua mundividência, deviam acreditar mesmo que não eram culpados); segundo, a nível legal: calcula-se que 100 000 alemães estiveram envolvidos nas execuções, mas desse número, apenas metade foi capturado, e pouco mais de 5000 julgados e condenados. Destes, 818 forma condenados à morte e 489 executados. É muito pobre o saldo de justiça da humanidade. A perseguição a estes criminosos continuou, mas resultou apenas num punhado de capturas importantes, como sejam as de Adolph Eichman (o mentor do processo da Solução final) e Klaus Barbie (o carniceiro de Bordéus), sendo que homens como Martin Borman e Joseph Mengele ou nunca forma capturados ou a alegação da sua morte deixa algumas dúvidas.
Na verdade, qualquer ideia absurda que surja sobre o Nazismo tem sucesso por causa disso: o folclore e mística nazis são muito engraçados quando explicados de maneira romanceada, mas pouca gente o tenta abordar seriamente. Aliás não só o folclore, como todo o movimento nazi. Isto porque a humanidade tem um talento muito próprio para aplicar em si própria, uma amnésia selectiva que ignora os problemas do seu passado histórico. No fundo, em relação ao nazismo, nenhum de nós se quer lembrar. Apenas esquecer.

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