segunda-feira, janeiro 23, 2006

O presidente dos outros



Não posso dizer que este seja o meu presidente, porque não votei nele. Quando o avô Cavaco anunciou que seria candidato à Presidência da República, não houve grande surpresa. O especialista em tabus mantinha-se fiel a si próprio e provava à saciedade porque era considerado o Hitchcock da política portuguesa. Confesso que esperei ver o Hal-2000 do filme "2001 - Odisseia no espaço" chegar-se à frente, para poderem concorrer dois seres robotizados, mas esse meu desejo nunca se chegou a cumprir.
No entanto, a situação ficou mais normalizada quando chegou o anúncio de que o seu mandatário nacional era João Lobo Antunes, o conhecido neurocirurgião, famoso também pelo seu olho Electrónico. Um especialista em doenças do cérebro que lida com robótica... Era o homem de mão perfeito de Cavaco Silva; e mostrando como em 2005, a sua cabeça estava noutros tempos, convidou uma fadista, Kátia Guerreiro, para ser sua mandatária da juventude, visto que o fado é, claramente, um elo de ligação entre o poder político e os jovens do nosso país...
Durante a campanha e a pré-campanha, Cavaco passeou-se como aquilo que se anunciava: um vencedor antes da vitória. Esfregou as mãos com a cisão do PS e notou com gosto que a habitual teimosia da Esquerda continuava em alta. Portanto, calculando com o cinismo e a frieza que a sua lide com números em papel lhe calejou o intelecto, foi gozando a certeza de que a malta esquerdista se dividiria e que a lógica trataria do resto. A sua danação seria a 2ª volta, mas com os candidatos de Esquerda a atirarem uns sobre os outros, o que havia a temer?
Nadinha. Nada de nada.

Por isso, após a apoteose de hoje, prevejo já o primeiro dia de Cavaco como Presidente dos outros: às 6 da manhã acorda e sem acordar a mulher, veste-se à século XVI e toma um rápido pequeno-almoço; de seguida, dirige-se à sua base subterrânea, onde guardou o "Branquinho" para esta ocasião. Após montar o "Branquinho, com força como se pede a um monarca, avanaçará a trote até à cidade de Lisboa, com um jovem mensageiro à frente (jovem ou baixote, pelo que a visão de Marques Mendes a cumprir esta função não deverá parecer tão surpresa assim) a dar alvíssaras e a gritar "Glória a El-rei D. Sebastião, glória a El-rei D. Sebastião", tudo em grande aparato, a que se juntará uma imensa comitiva do PP e do PSD vestidas a rigor, caravelas no Estuário do Tejo, a Ordem Jesuíta ressuscitada, Kátia Guerreiro a entoar cantigas de amigo (talvez "Flores de verde pino"), Pacheco Pereira como Cristóvão de Távora e talvez uma ou outra pessoa de valor. Resta a confirmação dos restantes candidatos no papel de mourama agrilhoada.
O nevoeiro vai ser tal que os lisboetas não poderão ir trabalhar; e no entanto a economia do país crescerá imediatamente a partir do momento em que Cavaco entre em Lisboa. Descerá em frente ao Palácio de Belém e saudará Jorge Sampaio, dizendo: "Bons dias, alcaide." Sampaio estranhará, mas rapidamente é expulso à espadeirada. De seguida, o homem de Boliqueime anuncia que Alcácer-Quibir é culpa de Soares, pois na altura ele não era primeiro-ministro, e que José Cid é imediatamente condenado ás galés por ter criado a malfadada música sobre o acontecimento. No meio do reboliço, auto-proclamar-se-á como Imperador de um V Império com 3 centros: Boliqueime, Lisboa e porventura Viseu (com a alternativa Madeira ainda em aberto, no entanto instável). Vasco Graça Moura será o padre António Vieira e Santana Lopes fará de bobo. Enfim, o costume
E no meio de tudo isto, Portugal entra para a OPEP, para o G-8, expulsando a Rússia e o Conselho de Segurança da ONU. George das Américas tratará Cavaco estranhamente como "dirty Dick" e Cavaco forçará a Inglaterra, a França e a Alemanha a dar 10% do seu PIB a Portugal. O futuro apresenta-se radioso e neste momento em que escrevo, sinto já que o meu nível de qualidade de vida é praticamente igual aod os Países Nórdicos. Afinal, somos governados por um bloco de gelo.

3 comentários:

Rita disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Rita disse...
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Rita disse...

Bem...eu acho que a respeito da vitória do Cavaco já tudo foi dito. Vão ser uns cinco anos diferentes e, seguramente, de maior resistência do PR, ou como ele gosta de dizer, 'de força de bloqueio'. As boas coisas que figuram no mandato do PR vão ser esvaziadas, porque Cavaco, de facto, mais do que não querer, não sabe ser político no bom sentido. Promover diálogo, representar, 'negociar' em 'high politics' usando o 'soft power'.
As esquerdas fizeram uma opção nesta eleição e na campanha também. Percebo as suas razões e as suas consequências. Decidir é sempre assim. Escolher. Agora, ficamos com um PS dividido, um Secretário Geral inapto para conciliar as divisões (já começou mal ao sobrepor-se ao discurso de Manuel Alegre), um Jerónimo com o ego em alta e um Francisco Louçã triste. Espero, contudo, que o dinamismo do Bloco não esmoreça, porque tem sido desde 2000 um dos movimentos políticos mais interessantes e produtivos na nossa cena política, quer se concorde ou não com as suas ideias. É muito para isso que os partidos que ainda não são de 'poder' servem: suscitar debate, elevar o nível do confronto político e incutir um espírito de exigência e crítica verdadeiramente diferente. Quanto a Cavaco, vamos torcer para que tudo corra pelo melhor, sabendo, contudo, que o pior é sempre uma possibilidade.