quarta-feira, março 01, 2006

Road to the Oscars: "Brokeback mountain"



Vamos lá a esclarecer alguns mitos acerca de "Brokeback mountain": primeiro, não é um filme sobre um casal de cowboys gay, por várias razões: não é sobre um casal, mas acima de tudo sobre um homem, Ennis del Mar, e a sua luta para reprimir algo que não deve sentir, enquanto tenta levar uma vida normal, pelo menos mais normal que a que teve enquanto crescia; depois, não falamos aqui de gays alegres e descontraidamente gays: são homens que gostam um do outro para lá daquilo a que se pode chamar amizade; e acabou. Se lhe quiserem chamar relação entre homossexuais, chamem-lhe. Eu prefiro chamar-lhe história de amor, que foi o que vi no filme. Se os personagens fossem heterossexuais, a história faria o esmo sentido.

Segundo, o filme não vem marcar, como se diz por aí, uma visão assim tão radical da homossexualidade no cinema norte-americano. É certo que leva a temática a um género tradicionalmente viril e másculo como é o western, mas nunca amaricando-o: humaniza os cowboys, habitualmente homens empedrenidos, rudes e muito machos em homens empedrenidos, rudes e muito machos, mas que se permitem a entrar em contacto com os seus sntimentos mais simples; e isto só era possível com um realizador que não é norte-americano e que claramente não vi tantos westerns assim para se sentir contaminado pela ideia preconcebida de cowboy: aqui, Ang Lee transforma o filme em algo de seu. Para mais, os homens deste filme não são mariconços de susto, nem bichas saídas das séries de humor mais rasca da nossa televisão: são homens normais, que calha gostarem de homens em vez de mulheres e como diz Jack Twist, o outro cowboy, durante o filme, "ninguém tem nada a ver com isso". Não é a primeira vez que acontece (gostava de lembrar "Philadelfia", "Beleza americana" e a fantástica mini-série "Anjos na América"), mas aqui a situação é mais complicada porque seguimos tudo nesta relação, desde a atracção à consumação passando pelo sue fim abrupto.

É aqui que se situa outra das vitórias de "Brokeback mountain": a estrutura da história de amor não é convencional, porque é uma história de amor credível. Não só é a história de amor entre dois homens mais verosímil que já vi, como é uma das histórias de amor mais credíveis postas num filme. Não há cá nada de amores predestinados, sacarina e grandes discursos sentimentais. Aqui, fala-se em termos que se adequam a quem os usa e não há cá histórias de destino para ninguém. Nenhum dos dois homens usa a palavra amor, chamam-lhe isto ou coisa; e quando querem descrever o quão difícil estar separados, usam a palavra "quit", como quem fala de desistir de fumar. É por isso que esta história emociona: é seca, apesar de isto parecer paradozal.

Grande parte desta credibilidade assenta nos actores, nomeadamente em Heath Ledger, que merece todos os prémios que lhe queiram dar com o seu Ennis del Mar, o cowboy mais reprimido e torturado interiormente de toda a história. A forma subtil como transmite tudo o que vai dentro do personagem, desde a alegria à tristeza profunda, passando pela fúria e por aquilo que é obrigado a reprimir é assombrosa. Jake Gylenhall também vai bem, mas na minha opinião, o seu personagem, Jack Twist, é mais um plot device que um personagem que queriamos acompanhar a sério. É o drama de Ennis que seguimos de perto, um homem que sabemos que quer ser feliz, mas não sabe bem como o fazer e o único contentamento que tem na vida são as filhas e aqueles dias que passa com Jack em Brokeback Mountain. É Jack e o seu idealismo, que o leva a casar com a filha de um homem rico, mesmo amando Ennis e querendo viver com ele, que faz Ennis ver mais longe que a simples necessidade de sobrevivência. Michelle Williams, como a esposa de Ennis, joga aqui um papel fulcral, tentando que o marido veja as coisas mais pelo prisma do amor que pela sobrevivência (notável a cena em que fazem amor e vem à baila o tema de um terceiro filho). Claro, sem esquecer a realização discreta e fabulosa de Ang Lee, quer nunca transforma a fita num manifesto gay de "coitadinhos que são so cowboys reprimidos e olha como a sociedade que os persegue", embora o faça sentir com subtileza em dois momentos do filme (se o Oscar for entregue a Ang, eu próprio, fã confesso de Spielberg, baterei palmas: assim, vale a pena perder), mas seme squecer o espantoso trabalho de fotografia de Rodrigo Prieto e a banda sonora de Gustavo Santaollalla.

"Borkeback mountain" presta-se a bastante piadas e em português então, desde "montar" ao calão "boiola", tínhamos com que nos divertir. É num entanto um filme bem sério, trágico sem nunca perder um certo sentido de humor que Lee tão bem sabe utilizar e mostrando não um amor gay, mas um Amor que cresce e que é exactamente aquilo que a frase do filme diz: uma força da Natureza.

1 comentário:

ni disse...

mmm...demorast a ir ver o filme..mas percebeste a essencia... :)*