quinta-feira, julho 10, 2008

Plagiando a Pimpinela: parte 1


Escuaso será dizer que, quando me sentei no banco da paragem do autocarro, estava somenteà procura de ver os minutos passar até que o paquidérmico veículo me aparecesse à frente. Nunca contei que ela me surgisse, lá ao fundo. Nem sei bem como reparei nela. Talvez haja uma antena no interior do meu cérebro que capta vibrações de perfeição; mas lá surgiu a figura, por detrás do painel publicitário. O meu olhar foi puxado na sua direcção, como se um halterofilista tivesse decidido, de repente, amarrar uma corda ao meu pescoço, e testado uma teoria segundo a qual o meu cérebro se colaria ao meu crânio se ele mandasse uma puxadela. Quando o meu cérebro bateu, baralhou os meus olhos. Mas então apercebi-me de que não tinha sido bem a minha massa encefálica a confundir-me: fora simplesmente o facto de estares agora à simples distância de um toque.

Antes que ficasse em superior estado licantrópico, tentei recuperar a minha compostura. O problema é que uma simples visão da sua pele branca despertava em mim a vontade de passar a minha língua pelo seu braço, como se o quissesse arar. O terreno, pelo menos parecia-me fértil. Dei por mim a querer perguntar-lhe todo o tipo de coisas interessantes: filmes preferidos, o que achava ela sobre a situação económica do país, qual a cor da sua roupa interior ou se ela levava a mal que a beijasse sem nunca termos trocado uma palavra sequer. No entanto, um olhar dela levou-me a reduzir-me ao tamanho de uma ameba, e que a resposta àquela última pergunta seria um soco de KO ao primeiro round. Se ela me fazia aquilo com os olhos, nem queria saber do resto.

- Tens horas?
Pensei que tinha sido um voz do Além, provavelmente o meu primo Mário que era relojoeiro de profissão, mas nunca anda com horas certas no pulso. No entanto, o meu primo Mário estava no Botswana a vender roupas por catálogo e era mudo, quando um búfalo o atropelou, ao fugir de miúdo que se vestira de Super-Homem. Virei as minhas pupilas na direcção do meu medo e afinal, era ela.
- Não, mas tenho relógio. Serve?
Ela mexeu os lábios, naquilo que interpretei como um sorriso. Podia ser simplesmente uma tentativa de retirar um bocado de espinafre dos dentes com a língua, mas eu presumi que não. É o meu maior defeito: eu presumo muita coisa.
- Desde que não seja relógio de sol. O dia está enevoado.
Já tínhamos uma coisa em comum. Ambos mandávamos piadas muito parvas.
- É lunar, funciona pelas marés.
Ela penetrou-me com um raio invisível vindo dos olhos e senti o mesmo que os meninos da Casa Pia quando descobriam que estavam em casa do embaixador Jorge Ritto. Devia acabar com as tentativas de ser humorista. Olhei para o meu relógio.
- 15.25. É boa hora?
- As horas não são boas, nem más. São neutras e estão à esperas que as enchamos com a alma.
Ui, uma filósofa. Detesto filósofos, mas para esta abria uma excepção, porque era o meu tipo de filósofa preferida: longas pernas, apreciável decote, uma cara acabadinha de esculpir por Rodin e aquele ar de quem sabe o porquê de um homem que discursa começar a entaramelar as palavras quando uma mulher lhe enfia a ponta da língua na orelha.
- Talvez por isso haja horas fantasmagóricas...
Elea sorriu, agora a sério, e sentou-se ao meu lado. Agradeci em segredo ao almanaque "Borda d'Água". Tinha lido esta frase lá, numa vez que ajudara o meu avô numas vindimas, e só pensei que me fosse ser útil para saber quando plantar agriões. Afinal, parecia que a agricultura aqui ia ser outra e a minha língua ainda podia arar qualquer coisa.

Fim da 1ª parte

2 comentários:

Ela disse...

ui, ui!estou impressionada!Mas, gajo complexo, cuidado c'os boatos!ah, ah, ah!

Post-It disse...

Podes continuar! ;)