quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Conclusões de uma noite de Óscares


1 - Os Óscares começam a tornar-se cada vez mais uma Academia do mundo. Nenhum dos intérpretes vencedores nas categorias de interpretação são americanos: Day-Lewis é irlanfês e Tilda Swinton é escocesa, o que em si não é grandemente estranho, mas o espanhol Bardem e a francesa Marion Cottillard são de uma esfera europeia que não tem uma presença assim tão forte em Hollywood. Isto pode ser explicado por vários factores, a começar pelo trabalho de estudos nacionais na promoção dos seus filmes nos EUA. O fenómeno estendeu-se para as categorias técnicas, onde a maior parte foi limpa por europeus , alguns a trabalhar em filmes europeus, outros em produções norte-americanas. Se os americanos não se põem a pau, a festa deixa de ser mesmo deles.

2 - Os Óscares tiveram a sua audiência mais baixa em 20 anos. Têm surgido várias justificações para este facto, desde a baixa popularidade dos filmes nomeados até ao apresentador, que tem um nicho demográfico específico para o seu humor. Mas a verdade é que há dois grandes culpados, a meu ver: a própria Academia e, incrivelmente, os grandes estúdios. A Academia manté o memso modelo de cerimónio há uns 50 anos, quando o que era Grande era sinónimo de Popular. Hoje em dia, vivemos numa época de transmissões televisivas em que uma cerimónia com quase 4 horas não resulta. Na verdade, o déficit de atenção que vai afectando o cidadão do século XXI acaba com qualquer hipótese de esta resultar. Eu próprio, que tenho acomapnhaod várias cerimónias nos últimos anos, reconheço que a principal dificuldade é aguentar os prémios menos importantes, e os númeors de dança, e afins. Bem cortado, o que interessa nos Óscares podem encaixar-se em duas horas, talvez um pouco menos. Por este andar, qualquer dia os Óscares tornam-se numa espécie de Natal dos Hospitais, o alvo de piadas de stand-up comedians facilististas.
Os grandes estúdios são culpados, porque fazem o que é costume: não apoiam os filmes menores, que habitualmente têm mais qualidade e são nomeados. Sendo assim, é óbvio que não chegam ao público. O objectivo dos Óscares é precisamente reconhecr mérito artístico. É estúpido pedir à Academia que nomeie filmes conforme a sua popularidade. Se assim fosse, teríamos "Transformers" a receber o prémio de Melhor filme, e eu não queor imaginar que tipo de silêncio embaraçoso se estabeleceria no Kodak Theatre se isso acontecesse. "Juno" provou, este ano, de que o público norte-americano não é tão estúpido como parece: é. afinal, um filme palavroso, sobre uma adolescente grávida, e com um aspecto indie que rendeu mais de 100 milhões de dólares, o que o torna um hit. Mesmo filmes como "No country for old men" e "There will be blood" rondaram os 50 milhões de dólares em receitas, o que é bastante bom para filmes tão negros, complexos e violentos. Urge uma reflexão sobre este aspecto, que será importante não só para os Óscares, como também para os estúdios e, por conseguinte, para o futuro do cinema.

3 - 3 Óscares para "The Bourne ultimatum", mesmo sendo técnicos. 0 para "Transformers". Mesmo nas catgeorias técnicas, a qualidade efectiva de um filme começa a pensar.

4 - Jon Stewart esteve brilhante. Muito mais à vontade que na sua primeira aparição como host há dois anos, esteve aquilo que o seu papel requere: o dono da casa que recebe os convidados, atira umas alfintedas, enquanto os faz sentir bem acerca da festa onde estão.

5 - Nunca tinha reparado em como Tilda Swinton é mesmo estranha; e os irmãos Coen parecem extraterrestres caídos neste planeta.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

A resposta

Depois de Sarah Silverman ter anunciado o seu segredo envolvendo Matt Damon, é a vez de Jimmy Kimmel, o seu namorado, revelar algo ainda mais escandaloso. A novela promete continuar.

sábado, fevereiro 23, 2008

E cá estão elas!

Os Óscares são já amanhã. Há um mês, aquando do anúncio das nomeações, olhei para a tigela de água do meu cão, qual Nostradamusiso que olhando a bacia de zinco, e espreitei o futuro das nomeações. O meu fiel companheiro canino, infelizmente, tem o hábito de deixar pedaços da sua comida a boiar na tigela, e por isso as previsões turvaram um pouco. Espero que desta vez, as coisas saiam mais correctinhas.
Aviso que será difícil nalgumas categorias. Se há Óscares que já estão entregues desde há pelo menos três semanas, outros estão aí para lançar a confusão e a discussão. Aliás, os prognosticadores de prémios adoram confusão, inventando-a até onde ela não existe. Tem surgido uma corrente que está a tentar inventar vencedores para melhor filme, quando esse prémio está mais que decidido.
Tentando encurtar o paleio, que eu sei que sou muito palavroso, deixo aqui uma lista daqueles que prevejo serem os vencedores da 80ª edção dos Óscares.

Melhor filme: "No country for old men" - A única margem de dúvida é a habitual, porque já se sabe, até ao contar dos cestos, é vindima. Mas ele tem ganho a esmagadora maioria dos prémios percursores dos Óscares, tem apoio crítico, tem toda a gente com os irmãos Coen. Pouca gente acredita numa reviravolta.

Melhor actor: Daniel Day-Lewis, "There will be blood" - É que nem que Cristo desça à Terra e diga que el não leva o prémio. Aquele que estavam a prever como spoiler na categoria, George Clooney, já veio anunciar que Lewis tem mesmo a melhor interpretação do ano.

Melhor actriz: Julie Christie, "Away from her" - A coisa parecia certa até há duas semanas, mas entrevistas a alguns votantes anónimos e prémios recentes lançam Marion Cotillard como ameaça. De facto, eu até a colocaria aqui, senão fosse a aversão da Academia em dar prémios a interpretações em língua estrangeira.

Melhor actor secundário: Javier Bardem, "No country for old men" - Nem que Hal Holbrook chore.

Melhor actriz secundária: Cate Blanchett, "I'm not there" - A grande encasinação da noite. Qualquer uma pode realmente ganhar, embora a pequena Saoirse Ronan, por "Atonement" seja a que tem menos hipóteses. Cate Blanchett e Amy Ryan têm dividido entre si a maior parte dos prémios e são por isso as grande favoritas, mas nunca é de subestimar o aura que as categorias secundárias de intepretação têm como prémio carreira. Por isso, Ruby Dee tem algumas hipóteses. Tilda Swinton ganhou o Bafta e paira a dúvida sobre se isso poderá significar algo aqui. No entanto, as duas nomeações de interpretação de Cate Blanchett mostram que a mulher é adorada e glorificada em Hollywood. Esse maior profile deverá dar a vantagem sobre a desconhecida Amy Ryan, que, entre outras coisas, entra na grande série "The wire" e só por isso, merecia qualquer coisa.

Melhor realizador: Joel e Ethan Coen, "No country for old men" - Apesar de ser raro uma dupla de realizadores ganhar um Óscar (que me lembre, só aconteceu com "West side story"), a lógica prevalecerá. Só se Julian Schnabel conseguir o voto de simpatia todo é que algo de estranho poderá acontecer.

Melhor argumento original: Diablo Cody, "Juno" - Tem sido a grande senação do ano, com um argumento diferente e original. No entanto, atenção a Tony Gilroy e o seu "Micahel Clayton.

Melhor argumento adaptado: Ronald Harwood, "The diving bell and the butterfly" - Outra grande encasinação. Os Coen e Paul Thomas Anderson estão nomeados e são, à partida, os grandes favoritos. O guião de "Atonement" tem também o seu valor pela dificuldade em adaptar um livro onde a fronteira entre a realidade e a ficção é tão ténue. No entanto, a tarefa mais complicada era mesmo a de Ronald Harwood, que teve de transformar em filme um livro de pensamentos misturado com memórias. Para além disso, este filme é amado e Ronald Harwood, há uns anos, conseguiu fazer uma gracinha, ganhando com "O pianista" quando ninguém o esperava.

Melhor filme de animação: "Ratatouille" - Mais que lógico, visto que se este filme aparecesse nos 5 nomeaods para melhor filme, não seria crime algum.

Melhor documentário: "Sicko" - Este parece-me que é entre a obra de Michael Moore e "No end ins sight", um dos 4 documentários sobre a guerra do Iraque nesta categoria. No entanto, parece-me que o facto de a mesma academia que vaiou Moore há 5 anos, aquando do seu discurso contra a guerra quando este ganhou por "Bowling for Columbine", ser este ano assumidamente anti-belicista nas sas escolhas, poderá dar-lhe a vitória.

Melhor filme estrangeiro: "The counterfeiters", Áustria - E ainda gostava que me explicassem como é que "Persépolis" e "4 meses, 3 semanas e 2 dias" não estão aqui....

Melhor fotografia: Roger Deakins, "The assassination of Jesse James by the coward Robert Ford" - Outra categoria com cinco possíveis vencedores: Roger Deakins luta contra si próprio em "No country for old men", Seamus McGarvey, em "Atonement", Janusz Kaminsky, em "The diving bell and the butterfly" e Robert Elswitt em "There will be blood". Elswitt ganhou o prémio do Sindicato de Cineamtografia e seria em teoria o grande candidato, mas não reconhecer Roger Deakins num ano em que tem dois excelentes trabalhos, parece-me criminoso, mesmo tendo em conta o que a academia tem feito nos últimos anos (vide: Eduardo Serra em "Girl with a peal earring"). Assim, quero acreditar que será com o filme com melhor fotografia de 2007.

Melhor direcção artística: "Sweeney Todd: the demon barber of Fleet strett"

Melhor montagem: Christopher Rouse, "The Bourne ultimatum" - Seria uma vitória justa, para um filkme que já ganhou o prémio do Sindicato de Montagem. Roderick Jayens (ou melhor, os irmãos Coen com um pseudónimo) poderão estragar a festa, mas acho que a Academia vai recompensar um filme ao qual deram mais duas nomeações em categorias técnicas.

Melhores efeitos especiais: "Transformers"

Melhor guarda-roupa: "Atonement"

Melhor caracterização: "La vie em rose"

Melhor som: "Transformers"

Melhor montagem sonora: "No country for old men"

Melhor banda sonora - Dario Marianelli, "Atonement"

Melhor canção - "Falling slowly", "Once"

Melhor curta-metragem de animação - "I met the walrus"

Melhor curta-documental - "La corona"

Melhor curta-metragem - "At night"

E é assim... :)

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Cantorias


Mayra Andrade é uma jovenzinha que se define como cabo-verdiana (li isto em qualquer lado...) que assim só por acaso, está nomeada para os prémios de música da BBC, na categoria de revelação do ano. Ou seja, daqui a uns anos vai ser um fenómeno, pois canta bem, tem boa música e ainda por cima é gira.
Dia 29 de Fevereiro, ela vai actuar em Coimbra, em pleno Paviljão Multi-Usos, no âmbito de uma digressão que está a fazer por Portugal. O bilhete custa 10 euros. Esta moça, que daqui a uns anos também será um fenómeno, vai; o gandulo aqui também. Quem quiser vir, é dizer. É aproveitar, antes que tenham de pagar um balúrdio para assistir a um concerto dela...

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

"There will be blood"


Paul Thomas Anderson, desde que surgiu, tem sido apontado como o herdeiro de uma série de grandes realizadores, desde Scorsese a Robert Altman. Se isto, por um lado, atesta o seu enorme talento como cineasta, por outro reduz o valor da sua originalidade, e coloca-lhe um peso acrescio de ter de manter a comparação. Nas crítcias que leio a "There will be blood", Anderson volta a ser comparado a outro grande realizador da História do cinema, John Ford, e aí eu pensei: o que faz este homem para que seja equiparado a 3 artistas tão diferentes no seu estilo e nas suas temáticas? Está claro que isso é a prova definitiva da polivalência de Anderson como homem do cinema. "Boogie nights", "Magnolia" e "Punch-drunk love" têm como única ligação concreta passarem-se em S. Fernando Valley, a zona da cidade de Los Angeles onde normalmente se desenrolam os seus filmes.
"There will be blood" pode até passar-se em S. Fernando Valley, mas uns 100 anos antes de todos os filmes de Anderson terem lugar. Quando o filme começa, estamos na California de 1892 e acompanhamos um prospector chamado Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) em plena actividade de exploração. Os primeiros 20 minutos são absolutamente mudos e de uma economia de caracterização de personagem absolutamente notável: quando Plainview cai num poço de extracção, parte uma perna e encontra um pedaço de prata, julgamos que a sua maior pressa é ir ao médico. Claro que sim, mas só depois de se arrastar atéà cidade mais próxima e se dirgir ao Gabinete de Prospecção para registar a sua descoberta. Plainview é um maníaco do sucesso e da riqueza; é profundamente obcecado com os seus objectivos; e não parece haver grande espaço para sentimentos no seu interior. Está lançado o mote para um longo de estudo de personagem que dura duas horas e meia. Seguimos a carreira de Daniel e do filho adoptado H.W, que seguem comprando terras onde se situam lençóis de petróleo, por toda a Califórnia. É nesse percurso que encontram aquele que é o outro grande personagem da história, Eli Sunday, auot-imposto pastor evangélico, que funda um pequeno culto numa aldeia onde se encontra um larog lençol de petróleo que Plianview quer explorar. O confronto entre estes dois personagens é o que faz avançar a segunda metade do filme e coloca, simbolicamente, duas forças em confronto: o capitalismo, representado pela sede de riqueza de Plainview, e a religião, simbolizada por Eli Sunday. No entanto, ambos são colocadas desvirtuadas: Plainview vai a extremos na sua ânsia, seja a extorquir aldeões das suas terras, seja na sua maneira de ser anti-social, onde chega a dizer que a razão pela qual quer se rico é para nunca mais ter de falar com ninguém. De facto, este é um homem cujos únicos lampejos de humanidade são vistos através da sua relação com o filho, mas isto apenas ao início. Á medida que o filme se desenrola, sentimos que perdemos Plainview por completo, para um buraco mais escuro que o petróleo que procura. Eli é a religião manipulativa, um falso profeta com manias de grandeza, mas que se auto-ilude. Usa as pessoas para conseguir ser alguém na vida e vê em Daniel uma fonte de dinhieor que poderá elevar a sua Igreja da pequenez de um lugar perdido no meio do deserto. O confonto de vontades entre estes dois homens, na luta pela influência nas pessoas de Little Boston e posterior uso mútuo daquilo que ambos têm de melhor, ressoa obviamente dois dos grandes pilares do espírito americano, o direito de cada um a enriquecer e a imensa força da religião na vida das pessoas. Anderson consegue, assim, um raro exemplar de épico intimista, grande nas ideias e temas, pintado a pinceladas largas, mas nunca se afastando do seu centro de gravidade, que é, Daniel Plainview.
Acho que falar do trabalho de Day-Lewis neste filme é uma imensa redundância. Vão ler aqui o que já leram noutros lados: o homem é o maior, ponto final. Trabalha muito pouco, mas quando aparece, pega em personagens que nunca ningguém se lembrou de criari, transfigura-se e dá performances tão boas que nos fazem querer levantar a meio e bater palmas pelo que estamos a ver. Paul Dano é que merece palvras elogiosas e tem recebido poucas, pois é difícil desviar a atenção do Day-Lewis show. Dano consegue ser carismático como pastor e patético como personagem, um paradoxo que nunca deixa de ser credível. Para além disso, nunca perde o pé quando tem de se confrontar com "the man" himself. No entanto, a interpretação de Lewis quase faz esquecer aquilo que torna este filme verdadeiramente poderoso: Paul Thomas Anderson. Naquele que é o seu melhor filme (e com a carreira deste homem, é muito dizer isto), Anderson, que é habitualmente palavroso e utiliza uma fartura de gimmicks visuais, consegue ser seco, profundamente visual de uma economia de planos absolutamente impresssionante. Vê-lo utilizar apenas um plano para uma cena quando realizadores de menos categoria utilizariam 5 ou 6 deixa um cinéfilo abismado. Não vou dizer crimes de lesa-majestade, como que Anderson é melhor que Fincher (como realizador, não é), mas este filme prova, a quem tinha ignorado "Magnolia" e o muito subestimado "Punch-drunk love" que Anderson está a caminho de se tornar num dos grandes da história do cinema recente. Só alguémde categoria terminaria um largo épico numa cena que desenrola entre dois personagens numa sala, com quase um quarto de hora de diálogo. A sério.

Um filme que, pelo menos assim a frio, não é um dos melhores filmes da História do Cinema. Para lá caminhará. Não pertenço à categoria de fãs hiperbólicos de Anderson. Mas "There will be blood" é desde já uma das grandes obras cinematográficas do século XXI, sem dúvida, um filme com uma pulsão barrativa fora do comum e um daqueles personagens fascinantes capazes de criar culto no Youtube e de permanecer connosco muito depois de o filme terminar. E sim, também vocês vão sair da sala com vontade de gritar "I drink your milkshake! I drink it up!!!".

domingo, fevereiro 17, 2008

Queixem-se!


"Tropa de elite" ganhou o Urso de Ouro, que premeia o melhor filme em competição do prestigiado Festival de Berlim. Quando estão a concurso "There will be blood" (que já vi, deixarei a crítica amanhã) e o novo documentário de Errol Morris (que, calculo, continue a senda de brilhantismo do melhor documentarista da actualidade). E nem que não estivessem: o filme brasileiro é agitado, quanto muito, com um vazio de mensagem correspondente à quantidade de propaganda que faz às vedetas do filme, o BOPE. Nem sequer se pode gabar de ter uma excepcional de realizaçÕ. Fernando Meirelles escreveu a Bíblia em 2002 com "Cidade de Deus" e os apócrifos não têm tido grande qualidade.
Agora queixem-se que os Óscares são injustos e bendigam os sempre infalíveis prémios europeus. Força!

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Sobre o amor


É melhor ser o amante ou amado? Nenhuma das duas, se o colesterol passar dos seiscentos. Quando me refiro ao amor refiro-me, evidentemente, ao amor romântico – ao amor entre homem e mulher, e não entre mãe e filho, ou entre um rapazinho e o seu cão, ou entre dois criados de mesa.
O que é maravilhoso é que quando se está apaixonado se sente um impulso para cantar. Deve-se resistir a isso com todas as forças, e deve-se também ter o cuidado de evitar que o macho ardente “recite” as letras das canções. Ser-se amado é, evidentemente, diferente de se ser admirado, pois pode-se ser admirado à distância, mas para amar verdadeiramente é preciso estar no mesmo quarto que a outra pessoa, agachado atrás das cortinas.
Para se ser um amante verdadeiramente bom tem de ser simultaneamente terno e forte. Forte até que ponto? Suponho que chega ser-se a ser-se capaz de levantar cerca de vinte quilos. É preciso não esquecer que também para o amante a amada é sempre a coisa mais bela que se pode imaginar, mesmo que um estranho não a possa distinguir de uma qualquer variedade de salmonídeos. A beleza está nos olhos do espectador. Se o espectador tiver falta de vista, pode perguntar à pessoa que estiver mais perto quais as raparigas mais giras. (Na verdade, as mais giras são na maior parte das vezes as mais chatas, e é por isso que algumas pessoas acham que Deus não existe.)

in "Prosa completa", Woody Allen

terça-feira, fevereiro 12, 2008

E os burros somos nós?


Num inquérito feito a 3000 jovens britânicos, 47% afirmaram que Winston Churchill foi uma personagem de ficção. É bom relembrar que Churchill foi o vencedor da variante britânica do concurso "Grandes portugueses" e espero que aqueles que se alarmaram com o facto de Salazar poder ressuscitar e liderar um exército de Pides num assalto deestemido a Lisboa possam agora descansar em paz. A glória é passageira, como dizia Camões.
Mas a juventude britância não se fica por aqui: 27% dos inquiridos acha que Ricardo Coração de Leão não existiu, o mesmo se sucedendo a Florence Nihtingale, Gandhi, Charles Dickens e Cleópatra. Para equilibrar a coisa, 65% crê que o rei Artur era real e liderava uma Távola Redonda de cavaleiros. Ainda segundo este inquérito, há quem ache que Sherlock Holmes se passeou pela Londres do século XX resolvendo crimes; e que Eleanor Rigby, personagem de uma canção dos Beatles, também era de carne e osso. Robin Hood também saiu da ficção para passar à realidade. Não sabemos se com a aparência de Kevin Costner ou Errol Flynn.
Algo em mim deseja que um inquérito deste tipo seja levado em Portugal, mas o desconhecimento generalizado relativamente ao nosso imaginário mítico-histórico faz-me crer que os resultados não seriam tão engraçados. Claro que podemos considerar esta transfiguração de figuras imaginárias em reais pelo nosso eterno desejo ingénuo de realmente acreditar que as referências que temos do Bem sejam realidad,e num mundo que cada vez mais nos parece dar figuras superficias e cenários de pesadelo. A coragem, audacidade e dedicação de Robin Hood; a inteligência e sagacidade de Sherlock Holmes (que tem um interessante paralelo com outra personagem ficcional dos nossos dias, o doutor Gregory House); o carisma do Rei Artur. A nossa sede de imitar modelos leva-nos a crer que este ssão reais.
Infelizmente, a realidade é muito mais intrincada que qualquer obra de ficção. Que o digam Churchill e Gandhi.

Em terra de cegos

Em 16 anos de escutismo, nunca fui guia ou chefe de uma equipa. Pessoas com ambições ou sede de protagonismo poderiam guardar rancor ao ter algo assim no seu currículo, mas eu sempre aceitei isto como a ordem natural das coisas. Acredito que nem toda a gente pode ser um bom guia ou chefe, e eu muito menos. Antes que comecem "Olha o malandro, com o paleio do costume a botar-se para baixo!", não estou a negar que tenha qualidades. Apenas que aquilo em que sou bom se ajusta mais a alguém que dá o seu contributo numa equipa. Ser líder não é comigo: faltam-me dinamismo, carisma, responsabilidade, optimismo constante... Enfim, tudo aquilo que os bons líderes têm.
Por isso, quando este fim de semana, num curso de formação para dirigentes do CNE, a minha patrulha me elegeu como guia, ri aparvalhadamente; depois entrei numa espécie de sabedoria folcórica psicaélica, para logo a seguir recusar. Insistiram. Sem escolha, revelei-me e expliquei, mais palavra menos palavra, o que escrevi em cima. Escondi apenas um facto: muitos dos meus colegas de patrulha, e a falar a verdade boa parte daqueles que estão a fazer o curso comigo, nunca foram escuteiros. Logo, quando olham para mim, esperam algumas palavras sábias; pedem conselhos; perguntam-me "O que é que tu fazes por lá?", com aqueles olhos de quem acha ir ouvir a última revelação sobre o que é o escutismo, um segredo qualquer que Baden Powell levou para o túmulo e só eu sei. Mas não sei. Não sou sequer o modelo de bom escuteiro, por várias razões que guardarei para um post a ser escrito se um dia já não for mirim. Não tenho respostas, e sobretudo não me sinto confortável quando se espera algo de mim. Tenho uma repetitiva tendência de desiludir as pessoas. É crónico. Sim, é um grande handicap para quem está responsável por um conjunto de miúdos, que olham para nós, seguem o nosso exemplo, querem aprender connosco.
Mas após a insistência, aceitei. Enfim, porque não? Uma novidade. Detesto novidades, mas será que irei experimentá-las quando estiver morto? Além disso, poderei finalmente responder a uma pergunta que me coloco às vezes: que tipo de líder sou eu? Não sei, mas como guia da equipa Cuco, só tenho de ter o cuidado de não levar o nome da equipa a sério e evitar armar-me aos cucos.

Farewell and adieu unto you, Roy Scheider



Quint e Brody foram embora. O "Orca" está por tua conta, Hooper.

sábado, fevereiro 09, 2008

"It´s "Lord of the flies" time now"

Vou estar fora o fim de semana, por causa de um dever que tenho a cumprir, mas não vos deixo abandonados. A substituir-me, aquele que considero ser o padrinho do meu blog: o senhor James Ford, a.k.a Sawyer. As meninas adorarão a mudança, os rapazes também: afinal, isto inclui praticamente toda a gente que visita o meu blog.
E como? Com a vossa própria alcunha, atribuída pelo garanhão himself! Entrem no "Sawyer nickname generator" e saibam de que são realmente feitos. A forma como este homem arranca referências de pop-culture de um largo espaço de nada é um prodígio da natureza. Aproveitem e partilhem com todo o auditório, Lambchops!

http://abc.go.com/primetime/lost/index?pn=nickname

P.S: A interminável capacidade criativa do chesty blond, fica exposta nest vídeo. Não duvidem do seu poder! O meu preferido é, de longe e à larga, "The artist formerly knwown as Hernry Gale". Faz-me ter um ataque de soluçoes interior sempre que o ouço.

Hitch

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

O escritor e as personagens

É público (e se não era, o último post tornou-o) que Woody Allen é dos meus realizadores predilectos. No entanto, nenhuma das sua sobras se encontrava na minha lista de filmes preferidos, pois acho que ele é melhor como argumentista que como realizador propriamente dito. Eu gosto mais de tipos visualmente espantosos e Allen é bastante simples, embora engenhoso, no seu estilo.
No entanto, uma visita ao Youtube lembrou-me de uma obra sua que está, concluí após alugns minutos, nos filmes que mais gosto:"Deconstructing Harry", o último filme de Allen na sua fase "A vida é uma merda do caralho!" e que é um exercício de análise de relações que acabam mal e de tudo o que pode estar mal na personalidade de uma pessoa só possível no mundo de sarcasmo ácido que Allen proporciona. Tudo isto com um grande elenco, como é seu apanágio, e Allen a interpretar, obviamente, um escritor, que passa em paralelo as histórias reais e as suas versões ficcionadas nos seus livros. E um filme com frases como "No, I don't think you're paranoid. I think you're the opposite of paranoid. I think you walk around with the sick delusion that people like you.", ou "Tradition is the illusion of permanence" é e sempre será um grande filme.
Claro que não se aconselha a quem não gosta de Woody Allen. Mas para todos os outros, apreciem uma das melhores cenas do filme, quando Allen desce ao Inferno. Atentem na voz do elevador.

Self loathing jews




Larry David num filme de Woody Allen? Dá vontade de dizer: "I hate myself, but not because I'm jewish!" Quanta neurose pode um filme só suportar?

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

"Le scaphandre et le papillon"


Uma coisa que quem discute cinema gosta de fazer, mesmo que não se aperceba, é a generalização. Eu faço isso, várias vezes. Quando "Le scapahndre et le papillon" saiu, foi estabelecida uma comparação imediata com "Mar adentro", de Alejandro Amenabar, porque ambos tratam de assuntos semelhantes: homens confinados às suas camas, com pouco controlo sobre o seu corpo, embora a sua mente permaneça saudável. "Mar adentro" quis ir para lá do filme sobre o drama de um homem: é, também, um planfleto sobre o direito à eutanásia, visto que essa era a grande luta do personagem principal do filme, o galego Ramón Sampedro.
No entanto, esqueçam-se de "Mar adentro" quando virem este filme: as semelhanças começam e acabam no confinamento dos dois personagens principais. "Le scaphandre et le papillon" é, antes de mais, um evento multi-cultural: realizado por um norte-americano, Julian Schnabel, escrito pelo inglês Ronald Harwood, fotografado pelo polaco Janusz Kaminsky (habitual director de fotografia de Steven Spielberg) e interpretado pelo francês Mathieu Amalric, é um esforço de colaboração que tenta contar a história de Jean-Dominique Auby, o editor francês da "Elle" que, aos 45 anos, é atirado para a cama por um acidente vascular cerebral e acorda preso dentro do próprio corpo (vítima de um síndroma raro conhecido por "locked-in"), completamente lúcido, mas apenas capaz de mexer o olho direito. O filme não escolhe caminhos fáceis: podia ter dado uma grande volta, mostrando o que passava exteriormente a Auby, com os médicos, a família, os amigos, o impacto que este evento tem neles. Mas não: tudo o que vemos é apenas e só a partir da perspectva de Auby; e isto eleva o filme relativamente a "Mar adentro", na minha opinião. Desenrolando-se em duas dimensões (a presente, dentro do hospital, e as memórias da vida de Auby antes do acidente), o filme traça-nos o retrato de um homem que enfrenta o que lhe acontece com um estranho estoicismo. Na verdade, o filme é suportado pelo retorcido sentido de humor da personagem principal, que comenta dentro da sua mente o que vê e o que lhe fazem, rindo por vezes de piadas sobre a sua condição, as quais são censuradas pelos que o rodeiam. Somos conquistados pelo espírito deste homem de forma natural, sem grandes gestos de humanidade destinados a obrigar-nos a reconhecê-lo. E desde comentários aos atributos físicos das enfermeiras, até chamar nomes a pessoas que o vêm ver e tratam como um coitadinho, muitas coisas retiram este homem do cliché do "deficiente".
O filme acompanha o processo através do qual Auby tenta quebrar o seu escafandro e comunicar com o mundo, tornando-se numa borboleta (daí a metáfora que dá título à fita.) Julian Schnabel é acima de tudo pintor (o que ajuda a compreender muitas das metáforas visuais que ao longo do filme nos transmitem a sensação de prisão de Auby), e realizador apenas em part-time, e utiliza maioritariamente o ponto de vista do personagem principal para filmar as situações do filme, com piscares de olhos e tudo (que são essenciais para o filme, não revelo porquê), e isto coloca-nos exactamente onde Schnabel quer: presos com Auby. Nada disto soa a chico-espertismo, o que aumenta o seu efeito. Quando chega a hora de mostrar a vida de um Auby normal, o filme escolhe o pai, a família e a amante para o fazer. Ao colocar uma amante, posta em comparação com esposa devota, Schnabel mostra não ter medo de perder o nosso apoio ao personagem, e sabe que nos tem perfeitamente seguros, mas isso dá azoa momentos bastante desconfortáveis para o espectador. Digo isto de uma forma positiva. Mas é na relação com o pai de Auby (interpretado de forma superlativa, embora em poucas cenas, pelo enorme Max von Sydow) que atingimos o coração real deste filme.

Justamente nomeado para os Óscares em diversas categorias que contribuem grandemente para o sucesso do filme (fotografia, montagem e claro, o argumento de Ronald Harwood, clínico, preciso, baseado na obra homónima que Auby ditou apenas com o olho direito), fica a faltar, tavez aquela para melhor filme, ou mesmo melhor actor. O trabalho de Amalric é espantoso, porque ter de concentrar todo o seu esforço interpretativo no olho direito é um trabalho dificílimo.
E nós estamos lá o tempo todo, nesse esforço.

Constatação

Às vezes, as pessoas não têm nem metade da simpatia daquela que julgam ter. É curioso. Aplica-se a outras qualidades, mas a simpatia tem o seu caso à parte.

Fight Club

Perante a greve de argumentistas que grassa como uma epidemia galopanta (e que, helas, parece estar a conhecer o seu fim... Mantenham-se ligados), aqueles que são obrigados a terem programas originais e não repetições, ainda por cima se esses programas são diários, têm de fazer das tripas coração para criar algo que prenda os espectadores. No caso dos talk-shows, poucos eventos seriam mais espectaculares do que a reunião daqueles que são, indubitavelmente, os três melhores apresentadores de entretenimento da televisão norte-americana: Stepehn Colbert, Jon Stewart e Conan o'Brien. Se essa reunião se der tendo como pano de fundo uma luta de meninos como na Primária, melhor ainda. Os motivos e desfecho são explicados no seguinte vídeo. Quem ganhará?

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

"Sweeney todd"


À primeira vista, juntar um cineasta com o estilo visual de Tim Burton e o género musical pode parecer um erro de casting. No entanto, os mais atentos à obra do realizador devem ter reparado que a principal fronteira entre os dois mundos é o facto de os actores não cantarem. As bandas sonoras de Danny Elfman, em conjunto com o ritmo próprio das obras de Burton, dão um sentido musical a alguns filmes do realizador. Na verdade, Burton tem pelo menos 2 filmes onde há números musicais: "The corpse bride" e "Charlie and the chocolate factory". Podíamos incluir "The nightmare before Christmas", mas apesar da crença geral, Tim Burton NÃO realizou este filme, apesar de a sua imaginação ter sido uma das suas forças motrizes. A responsabilidade é do animador Henry Selick.
"Sweeney Todd" era o musical da Broadway que estava à espera que Burton assumisse finalmente esse talento que lhe estava latente. A história é à medida do realizador: um barbeiro é condenado injustamente por um crime que não cometeu. Depois de alguns anos, regressa à sua cidade, Londres, para se vingar daqueles que lhe roubaram a vida. Tudo iss envolvendpo navalhas da barba e emapadas de carne, com sangue, canibalismo e homicídio à mistura. Isto pode não parecer a matéria da qual se fazem os musicais de palco, mas não foi Filipe la Féria o autor do libreto, mas sim Stephen Sondheim, que é uma espécie de demónio dentro da Broadway.
A partir daqui, Tim Burton apressa-se a construir um território que lhe é familiar (uma Londres do século XIX com a decadência urbana das obras de Charles Dickens e um negro gótico dasde Edgar Allan Poe, o que diz bem daquilo que esta obra entronca em si) e um background com que pode lidar, trata dos números musicais. O filme não embarca em grandes coreografias, com bailarinos aos pulos, antes se centra naquilo que os personagens cantam e nos movimentos cénicos que lhes estão ligados. Isto liga-nos ao musical como história, e não como espectáculo. Para isso, está lá Burton: é o seu toque que eleva toda a hbistória para outra patamar, com hemoglobina a jorrar pelas frincas da casa e personagens que se Sondheim não escreveu com os filmes do realizador em mente, há certamente um elo criativo entre os dois. A forma como encena todo o macabro como uma comédia negríssima, algures entreb o cinema de terror britânico da década de 40 e os seus próprios filmes iniciais (como "Beetlejuice") é espantosa e apesar de não ter visto o musical original, não fiquei com grande vontade. Eu gosto de musicias, mesmo aqueles com coreografias, mas tenho de amiditir que este é o meu tipo de musical.
Os actores não são cantores consumados, mas não precisam de o ser, pois a abordagem de Burton centra-se muito mais na interpretação dramática. Depp, como Sweeney Todd, é perfeito como fantasma ambulante. Todd já está morto bem antes de o filme começar. O seu único objectivo é vingança e se algum sentimento ainda reside dentro dele, é o ódio. Depp, para além de tornar aquilo que diz convincente, transmite esse vazio da personagem através da linguagem corporal, principalmente na economia de movimentos, que só parece mudar com se vê com navalhas de barbear nas mãos. A Miss Lovett de Bonham-Carter é o seu contraponto ideal, uma mulher que rompe os seus limites morais por amor a um homem que não pode amar onde está: um poço vazio e outro cheio. Destaque também para Alan Rickman, a fazer de vilão. Mas hei, é Alan Rickman, certo? Ele podia ler um prontuário que eu estaria boquiaberto a olhar.

Ideal para quem não gosta de musicais tradicionais, para dadores de sangue e pessoas que tenham um sentido de humor muito retorcido. Acreditem, vão precisar de um.

domingo, fevereiro 03, 2008

Há quem já nasça ensinado



Justine Lowe, grávida de cinco meses, estava ansiosa por ver o sue filho no interior do corpo. Quando olha para o ecrã da ecografia, eis que este a decide cumprimentar. Vai longe, o rapaz...

Ai estás? Então, parabéns!

Há mulheres cuj facto de nos relacionarmos com elas implica que uma parte de nós esteja disposta a esperar tudo, mas mesmo tudo. Sejam quais forem as razões. Embora não a conhecendo pessoalmente, acredito que Sarah Silverman é uma delas. Para quem não conhece, é uma menina que fez um filme satírico intitulado "Jesus is magic", que continha canções como "Give the jew grils toys" e "The porn song".
Para além disso, nos últimos MTV movie awards, teve o gosto de teorizar que Paris Hilton, antes de ir para a prisão, tinha pedido para pintarem as barras de celas de pénis, para se sentir mais confortável. Uma doçura de mulher.
Portanto, quando o namorado Jimmy Kimmel, que apresenta um late night talk-show na ABC fez anos e ela fez uma prenda de anos para lhe oferecer em directo, esperava-se algo de tremendo. No entanto, ninguém estava preparado para isto.

Esta mulher é um mimo.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Os abismos da demência


O que se segue é o relato de uma doença que me afecta de há tês anos e meio para cá. Embora não seja considerada pelos médicos como incapacitante, sinto que me dificulta a minha vivência do dia-da-dia, seja no concretizar de pequenas tarefas do quotidiano, seja na relação com as pessoas. Ao ínício, não me apercebi da sua gravidade, e muito menos da sua existência, mas quando se tornou inegável o seu efeito destruidor e malicioso na minha pessoa, tive de admitir que estava doente. Pesquisas recentes declararam-na incurável e sinto que nunca a conseguirei vencer realmente. O meu consolo é de que somos muitos, e espero que o meu testemunho possa ajudá-los a encarar a vida com naturalidade, mesmo com este problema. É possível, eu sei que é. Pelo menos, tento convencer-me disso.

O ataque mais recente começou há dois meses, e prolongou-se. Estava ao computador e li uma notícia no site IMDB: a 4ª season de "Lost" estreia a 31 de Janeiro. Imediatamente se apoderou de mim uma euforia semelhante aos estados mais positivos da doença bipolar. A vontade de trepar paredes apenas foi impedida pelo triste facto de que não sou o Homem-Aranha; e estive a ligeiros segundos de me sentir verdadeiramente feliz. Aliás, foi esse o momento em que me apercebi, para lá de qualquer outra explicação, que o mal dormente despertara novamente e estava a ter um ataque avassalador e impiedoso da Lostomania

Ao início, aqueles à minha volta julgaram que eu estava a alarmar-me por nada. Há uma piada recorrente sobre mim referindo-se à minha hipocondria. "Quantas doenças já tiveste tu nos últimos anos? Ele foi o sarampo Green Day; ele foi a Indianacela; ele foi a hepatite Zodiac; tu és uma minha de ouro para a indústria farmacêutica!" No entanto, tiveram de se convencer que estava a falar a sério: dava por mim a meter "Lost" em conversas que não tinham nada a ver com o assunto ("E esta medida do Governo de fechar uma série de maternidades? Acham que os Others podem estar ligados a isto por causa do problema com as mulheres grávidas?"), queria baptizar o meu cão de Locke, em honra de um dos personagens da série; tinha crises semelhantes às de Tourette, onde apodava todos aqueles que não vêem "Lost" de "ceguetas, burros que não sabem o que estão a perder"; ou dizia coisas tão assustadoras como "Prefiro um episódio de "Lost" a uma rapariga."

Procurei ajuda. Tentei arranjar vida fora de "Lost", encontrar-me com pessoas, com raparigas. Tentar voltar a ser um homem normal. Infelizmente, não resultava. Via "Lost" em todo lado e quando tse referia algo da doença, reagia com aspereza. Alguém que disse "Um gajo no outro dia disse que eu era parecida com a Kate do "Lost", foi recebida com um "Mas tu estás doida ou parva? Alguma vez te podias parecer com a Kate???" Embrenhei-me em trabalho, mas começava sempre o meu processo de ter ideias para as tarefas com a pergunta "Mas como é que poderei enfiar "Lost nisto"?"; quis ir para a droga, mas à cabeça vinham-me imagens do Charlie na estação Through the looking glass. Nada me desviava do procesos de auto-destruição que tomava conta de mim.

Foi então que chegou 31 de Janeiro. Estava no auge da doença: suores frios, sobre-excitação, o pensamento de que enquanto eu estava a conduzir, alguém, do outro lado do Atlântico, já estava a saber o que acontecia afinal depis de o Jack comunicar com o navio. Um instinto homicida apoderava-se de mim e colocava em risco qualquer condutor que se cruzasse comigo pelo caminho. Mal cheguei a casa, corri para a sala do computador e deixei um recado ao meu irmão, para que tirasse "Lost" assim que acordasse, como se uma divindade qualquer me tivesse dito aquilo ao ouvido e o mundo acabasse se ele não cumprisse essa tarefa. Mesmo enquanto adormecia, passou-me pela cabeça estar até às tantas à espera que alguém metesse o episódio na net e eu fosse o primeiro em Portugal a tirá-lo e a vê-lo. Mal acordei, nem pensei no pequeno-almoço: estaria já o episódio sacado? Desilusão suicida: não.

Revoravoltas e mais reviravoltas, caminhei para um lado e para o outro, tive visiões messiânicas do Eusébio rejuvenescido 40 anos e mostrando aos jogadores do Benfica como se joga à bola.

No momento, em que realmente senti o episódio nas mãos, a doença estava a cavalgar-me pela sveias e cedi ao seu controlo. Abri o ficheiro, carreguei "Play" e quando ouvi aquela voz familiar a dizer "Previously, on LOST...", estive perto do orgasmo.

O que se passou nas horas seguintes é um borrão na minha cabeça. Quando dei por mim, estava a patinar pela Sá da Bandeira abaixo, com um sombrero na cabeça, todo nu e uma guitarra às costas, gritando "You all everybody! You all everybody!"