segunda-feira, outubro 24, 2011

Senna


Nunca gostei de Fórmula 1, mas quando era criança, adorava Ayrton Senna. Nem sei bem porquê, talvez pelo capacete. Não tinha idade ou gosto por carros suficiente para perceber o que tornava o brasileiro um comedor de asfalto tão excepcional. O homem ganhou muita coisa, no período em que, precisamente, ainda tinha idade para me maravilhar com heróis no genuíno fascínio que só o período infantil proporciona, e o dia em que ele morreu foi daqueles que me lembro onde estava, o que vestia e até o que estava a comer, enquanto consegui. Fiquei sem apetite quando vi o Williams a espetar-se naquela curva em Imola, num fim de semana embruxado onde o objectivo do cosmos era o de que ninguém saísse com vida daquele circuito. Senna morreu, como qualquer herói trágico, num período de queda, com indícios e ironias trágicas que apontam para a sua morte: conta a irmã que nesse fatídico primeiro de Maio de 1994, Ayrton abriu de manhã a Bíblia, ao calhas, e a citação que lhe saiu na rifa dizia que Deus lhe ia dar o maior dos presentes, Ele mesmo.
O documentário "Senna" do interessante cineasta britânico Asif Kapadia, é um tributo panegírico à carreira do piloto britânico. Fugindo a lugares comuns da técnica documental, Kapadia evita entrevistas e comentário audio, e utiliza apenas imagens de arquivo (algumas inéditas) e as palavras dos intervenientes para contar a história dos dez anos que Senna passou na Formula 1. O que dali sai é uma estrutura de documentário ambiciosa, onde o filme se desenrola como um bom thriller, numa história real quase talhada para ficção: um homem que desafiava a morte em cada guinada de volante, e que acaba mesmo por morrer; teorias da conspiração envolvendo franceses (Alain Prost sai deste documentário como um fuinha queixinhas); ironia trágica que perpassa todos os momentos do filme; um período onde um homem que considerava o seu génio proveniente de Deus combate contra máquinas informatizadas, e perde. Senna surge como um tipo inicialmente ingénuo, que acreditava no puro prazer de conduzir, e que mudou as regras políticas de um jogo que acabou por tramá-lo. Numa era em que o Brasil era sinónimo de pobreza extrema, ele era um herói, visto pelo povo brasileiro como um foco de luz no seu mundo privado de trevas. A razão pela qual demorou quase 20 anos até alguém se lembrar de fazer algo deste género sobre o piloto brasileiro é algo que me ultrapassa.
Quando chega o fim de semana fatídico de Imola, todas as imagens estão carregadas daquela tensão de quem sabe o que vai acontecer; e por isso, quando acontece, o seu impacto não se diminui mas sim amplifica-se. Daí até final, o filme ensaia uma certa dimensão mítica de Senna, e isso é bonito, mas quando desce ao domínio privado, mostrando as imagens da família e amigos de Senna em redor do caixão, e cruzando isso com momentos anteriores do filme, este documentário alcança uma carga emocional rara no género, e deixou-me em lágrimas como muito poucos filmes me deixaram.
Saber que mais nenhum piloto de Formula 1 morreu após Senna apenas acentua ainda mais a tragédia. Como se o brasileiro marcasse o fim de uma era, e nada pudesse ser igual depois da sua passagem na Formula 1. De facto, isso é totalmente verdade.

quarta-feira, outubro 19, 2011

terça-feira, outubro 18, 2011

Obrigatório


Um filme de hora e meia, passado quase totalmente numa sala rectangular pequena. O calor oprime, a chuva lava, e nessa hora e meia, a total realização do peso da possível morte de um homem acumula-se e espalha-se por 11 jurados, perante a resistência de um deles, o número 12, em não concordar com um veredicto unânime de culpado. Não é sobre quem cometeu, mas sobre o porquê de ele não poder ter cometido, sobre a fiabilidade do julgamento humano e também sobre preconceitos terríveis e uma apatia moral que precisa de ser abanada pela vontade de um só homem, magnificamente interpretado por Henry Fonda, que acredita que é seu dever como cidadão preocupar-se com coisas tão importantes quando justiça e o valor da vida de um indivíduo.
E sem ter comícios políticos ou manifestações, atira-nos na cara aquilo que está realmente mal no mundo de hoje, e o que o lançou nesta crise que parece alimentar-se da nossa carne. Lumet exerce, em pleno e calmamente, o poder de uma arte como o cinema.

domingo, outubro 16, 2011

Missing


O meu desaparecimento dos últimos meses tem explicações muito mais prosaicas do que as que provavelmente me valeriam a absolvição por parte da audiência deste blog. Não andei, de facto, enfiado com areia até aos olhos na Líbia, com uma kalashnikov a tiracolo. É mais um sonho de infância que não consegui cumprir, mas penso que uma da partes de crescer é perceber que o único sonho de criança que conseguimos atingir, com alguma certidão, é mesmo ficarmos maiores. Os outros estão sujeitos a negociação com o mercador da existência.
Decidi-me retirar voluntariamente desta banca durante uns tempos. Honestamente, estava a precisar de não escrever alongadamente sobre mim, a minha vida e aquilo em que tenho pensado. Deambulo pelo Facebook, porque é mais ou menos como o corredor da escola, onde passamos o tempo mais a mandar bocas do que a declamar discursos. Por outro lado, o meu hábito de escrever estruturadamente (ou qualquer coisa que possa passar por isso) tem sido zero, pelo que me abstive de nem sequer teclar o que fosse. Por fim, uma maleita que me acompanha há uns meses, e se tem intensificado neste Verão, tem-me tirado o resto da vontade. Um médico diz que é tendinite, outra diz que é artrite. Pelo meio, a minha mão direita parece ter declarado a mim, e gerado o ambiente perfeito para enésimas piadas masturbatórias.
No entanto, o apelo de vários leitores fiéis (os únicos) fez-me reconsiderar os três motivos anteriores, e forçar-me a escrever coisas daquelas que alguns adoram, e outros simplesmente consideram o pretexto ideal para ganharem ainda mais asco. Neste canto, há para todos os gostos!
Siga a marinha, e que comece o 31 da Armada!