segunda-feira, novembro 26, 2018

Perugrinação 10: Alucinação


Nunca quis ser cobaia científica. Não é uma carreira pela qual tenha optado, em parte por falta de vocação. Também digo o mesmo em relação à docência, mas aí há quem diga que tenho jeito. na verdade, gosto de me ouvir falar. Por não me sujeitar a experiências, jamais tive o contacto directo com os efeitos nefastos que uma viagem de autocarro de 24 horas pode ter no frágil cérebro humano, dos riscos inerentes à meninge esponjosa que se agarrou às paredes do crânio. Quer dizer, agora posso riscar isso da minha bucket list...  o que faria caso lá estivesse. Apenas quando cheguei ao Peru soube que algures no final da primeira semana me esperava um trajecto praticamente sem parança desde Nazca até Cusco, aprisionado numa camioneta encarnada. Sei que sou do Benfica, mas não vivo assim tão enredado nas cores do clube. Não sabia o que pensar. Confiei que com livros, uns jogos de telemóvel e a minha simples predisposição para soltar a mente - vamos riscar esta, no entanto... a minha mente amiúde é tão inimiga que de mim que poderia, eventualmente, partir um vidro e saltar para a estrada sem qualquer apego pela minha integridade física - me iria safar, distrair ou simplesmente esquecer que o Tempo é um conceito Na realidade, 24 horas são números. Algo psicológico. Nem existe, na prática. É deixar seguir; e vendo o mapa, até se percebe a estafa: entre as duas cidades peruanas, ergue-se a inabalável muralha dos Andes. Qualquer estrada que atravesse as montanhas pode ser um preliminar orgásmico se o vosso fetiche for a morte enredada em metal esmagado de colisão. Não foi para isso que paguei uma batelada do dinheiro. Para além disso, seria uma desonra para mim ter sobrevivido à Ásia Central apenas para morrer aqui. A Ásia sempre traria o martírio e a glória mediática da zona perigosa, da tensão política. Aqui, sobrava-me a monótona motivação das curvas de estrada, do alcatrão gelado feito ringue de patinagem. Se é para isso, prefiro contar para a estatística das estradas portuguesas.

Confesso que tenho memórias difusas da viagem. Se me mostrarem imagens de satélite, sei indicar-vos por onde passei, talvez. Nem sei. Talvez pela falta de oxigénio na cabine do autocarro, do pouco sono ou simplesmente por ter entrado neste tormento depois da experiência gregoriana da avioneta, tive o cuidado de, ao longo da viagem, ter sempre comigo um caderninho. O melhor que posso fazer é uma experiência de fluxo de consciência. Vou transcrever-vos, integralmente, tudo aquilo que anotei, ainda que algumas coisas possam ser inventadas ou sido apenas alucinações bem vívidas. Embora estas crónicas vivam de anotações - tenho boa memória, mas não iria longe como gravador humano - é a primeira vez que a salganhada que são os meus jogos mentais e os pormenores que me ficam no rio das recordações atracam directamente nas vossas margens. Não é a mais elegante experiência do mundo, e o facto de a solidão dominar a minha vida prova como um contacto demasiaro directo comigo não ganharia o voto popular na Eurovisão. Mas é a viagem como ela foi.

"Dedicatórias fúnebras em carros peruanos: para a avó para a prima, para a mãe, para a Juanita e o Pedro. Vidros traseiros tapados a negros com inscrições macabras a branco. No Peru, as crianças usam todas uniformes escolares e vão de mão dada para a escola sem vigilância adulta como se tivessem saído de uma qualquer Arca de Nóe escondida dos nossos olhos. Arequipa na base dos Andes. É quase tão desinteressante quanto ficar a ver o gelo derreter no congelador. É grande, mas não é grande merda. Camioneta pára, pequeno-almoço à beira da estrada. Há umas banquinhas, compro pão, se calhar tem bichos e não sei. Já comi pior e não morri. Nem é mau o pão e é do dia, não ganhou ainda a consistência para servir de arma de mão para palestinianos. Oito da manhã e vê-se o sol. Arequipa está a mais de dois mil metros de altitude. Saímos do deserto, estamos na montanha. Ainda não sinto nada, hei-de sentir se continuarmos a subir. O autocarro afasta-se e vejo o pináculo de uma torre branca ao longe. Deve ser igreja. Consegui dormir umas horas durante a viagem e não sei como. Entretanto, põe a meio um filme com o Nicolas Cage. Acho que é o Gone in 60 seconds. Posso estar enganado. Ando tão grogue que já nem consigo reconhecer filme do Nicolas Cage. Deve ser a altitude.

Paragem em Lagunillas. É um pequeno lago onde o sol bate e parece azul. Não tenho a certeza, a luz é demasiado intensa. Ponho os pés fora do autocarro e de repente, ganho três cabeças, a julgar pelo afluxo sanguíneo ao meu topo. O céu tem um martelo e espetou-me tal marretada que só não me encolho como um acordeão porque Peru não é o país de Piazolla. Uma placa indica os 4400 metros de altitude. Só de ler, dói-me tudo, da ponta do fémur ao interior do baço. A vista é linda, mas o meu sangue ganhou a consistência de cimento termal. Caminho com cuidado, vejo velhinhas vendendo têxteis como quem está na feira. Está claro que o deslocado aqui sou eu, uma espécie de Pingu andando quase de lado, no seu esforço a lidar com esta alteração do paradigma geográfico. Com esforço, consigo regressar ao interior da camioneta, onde alapar o meu esplendoroso rabinho no assento faz desaparecer aquela gostosa sensação de ser estátua de pedra grogue. Passo pelo guia, o Alex. Suspira alarvemente e tenta sorrir, embora parte de mim ache que na verdade este moço tema que o sorriso fique cravado na face sem se mover até que regressemos ao nível do mar. Eu já estive aos 3500 metros. Estou certo de que não sofrerei com isto.


Comício político no meio de uma rotunda em Imata. Duas carrinhas de caixa aberta paradas, um homem discursa a uma multidão que tem acompanhado a marcha dos veículos. Tenho a sensação de ver lamas dançando a Macarena e ainda um cortejo de vicunhas amestradas pintadas por Frida Kahlo naquela fase em que tentou imitar as Pinturas Negras de Goya. Mas pode ser só a ausência súbita de oxigénio. As pessoas parecem contentes, acham que o homem lhes resolverá os problemas. Não lhe dou sete meses até fugir para o Paraguai casado com um hamster chamado Nestor, que conhece pessoalmente Avelino Ferreira Torres.   

Numa colina imensa, e escrito a alvas garrafais letras de pedra, leio "Cristo Viene". Não sei se é publicidade a uma banda de death metal andina, mas parece-me estranho. Não vejo Cristo, provavelmente foi curar o mal da altitude. Ouço Elliot Smith no telemóvel. Juro que o vejo do outro lado do vidro, acenando com o anúncio em fundo. Canta "Between the bars" e sem ninguém ao meu lado no assento, seguro a mão de alguém. É mais palpável que a borracha da minha alma e tão concreta quanto a mesma.

O Tiago e a Vanessa falam português, são portugueses. Andam a passear no Peru e andaram já pelos Andes. Falam maravilhas, mas também histórias de horror com a altitude. Criticam a massificação do turismo do Peru, enquanto ela dá nota a um restaurante no Tripadvisor.

O Peru odeia-se bem quando a decisão se colocar lombas de estrada que não destoariam no Muro de Berlim se mostra corriqueira. É como se tivessem pegado em manilhas de canalização, cortado ao meio e achassem "Ná, isto não vai atrapalhar o trânsito." Quando uma aparece, a camioneta trava, quase estática e balança os passageiros ao ritmo da elevação. Tudo o que o meu estômago não precisava. Temo o pior.

Mais uma voltinha, mais um saco com vómito. Desta vez não me caiu na roupa. O passageiro à minha frente dá um salto quando me vê. Acho que o ouvi chamar-me "La llorona". 

Um buffet em algures. Estou tão revirado que já nem reparo no nome das terras. Convencem-me a comer algo, embora sinta que o meu estômago foi passado a napalm. Na mesa em que me sento, vejo um unicórnio, Napoleão Bonaparte com uma coroa de frutas na cabeça, uma versão do Terminator interpretada pela Carmen Miranda e um adepto do FCP com quem se pode conversar de bolas sem que ele se torne imediatamente insuportável. Acho que mais do que comida, devia procurar oxigénio. Tanto que agarro uma colher, penso, e afinal tenho na mão uma palheta. Um bocadinho de sopa no prato. Ainda consigo sorvê-lo todo. O napalm queimou tudo, a sopa nem sequer serve de chuva. Não têm de me carregar em ombros de regresso ao autocarro, mas só porque eu nem tenho ombros.

Escuridão, montanhas, estradas em obras, muita poeira. Ou então, são os meus olhos em electricidade estática.

Chegada. A dúvida é se consigo sequer pôr um pé à frente do outro. Ergo-me e consigo. Mas não vencerei a maratona."

A partir daqui, os rabiscos acabam. Mas o que me recordo é suficiente. O grupo juntou-se em dois táxis, malas arrumadas e atravessámos a periferia de Cusco rumo ao centro histórico onde fica o hotel. Trânsito confuso em estradas largas dá lugar a revienga totalmente assassinas para o meu estado comatoso já dentro da cidade em ruas estreitas. Depois de um confronto entre três táxis que chegam em simultâneo a um pequeno largo e decidem na hora a ordem de prioridade, o destino não está longe. Já não me vejo ao espelho há uns dias, mas enquanto me carrego, juntamente com as minhas mochilas, pouso tudo com abandono e estardalhaço-me no sofá. Presumo que o meu aspecto deva ser assustador, pois rapidamente se dispõem a preparar um chá de coca, sem toque escobariano. Beberrico um pouco e não fico muito melhor. A coisa vai indo ao sítio. Não sei se é da altitude ou simplesmente de dois dias seguidos a revirar as entranhas, desconfio desta última. Já estive em altitude, nunca fiquei assim. No entanto, por precaução, oferecem-me cinco minutos de oxigénio em botija, É um equipamento standard nesta cidade a 3400 metros de altitude. Disseram-me que veria no Peru paisafens de tirar a respiração. Não se referiam a isto, certamente.





quinta-feira, novembro 15, 2018

Perugrinação 9: Não alinhado em Nazca


"Dame mi paz , por favor!!!!" e assim canta uma pungente voz masculina que enquanto se espalha pela carrinha, balançando o ritmo da cumbia, reforça aquele que é para mim o drama maior da existência: querermos sossego e não nos ser permitido gozá-lo. Aqui, no entanto, tal parece possível: saimos de Huacachina bem cedo e uma viagem de 150 quilómetros através do deserto rochoso e baço conduz-nos a Nazca. O sol estampa-se no solo e pelo caminho, atravessamos algumas pequenas aldeias, ajuntamentos de casa e gente entre faixas de alcatrão. A certa altura, numa paragem para esticar as pernas, a carrinha estaciona junto a um casebre de cimento solitário no meio de tudo isto. Ninguém para trás, nada para a frente. À porta, um garoto imberbe entretém-se a estampar carrinhos de brincar uns contra os outros. Faz vozes, inventa personagens, tem o maior recreio do mundo, útil quando se é o último riso infantil do deserto. Um oásis, afinal. Olhamo-nos e aceno-lhe, ele sorri e devolve, mostra-me um dos carros. Talvez seja um convite. Não posso aceitá-lo, temos de partir, há um horário em cumprimento constante; e afinal, dirigimo-nos ao mistério principal que me trouxe ao Peru.


As chamadas linhas de Nazca são um conjunto de complexos desenhos gravados no chão rochoso do deserto que lhes dá nome, delineados e construídos pela civilização homónima. Entre 500 AC e 500 DC, por razões que ainda hoje nos são desconhecidas, uma sociedade inteira girou em torno de dois objectivos: arranjar comida a partir de uma zona semi-desértica e espalhar pelo seu território rabiscos brancos que só podem ser vistos em altitude. Não é difícil entender como é que o fizeram: o complicado é explicá-lo. Isto não foi propriamente o passatemplo displicente de um solitário - tornou-se na meta recorrente de séculos. Se nos dirigirmos para Norte, ao longo do vale de Palpa até Paracas, encontramos mais conjuntos daquele que deve ser o mais épico jogo de Pictionary que a história humana registou. As figuras variam em tamanho e elaboração. Há simples linhas que terão provavelmente alguma intenção de mapeamento ou orientação astronómica, mas o que obviamente impressiona são as intrincadas representações de animais e figuras antropomórficas que se estendem ao longo dos ermos de Nazca, por cinquenta quilómetros quadrados. Encontramos macacos, baleias, colibris, flores, jaguares, peixes e outras representações que são recorrentes até em culturas andinas posteriores. A imagem de animais marinhos mistifica, pois o mar fica longe daqui, mas a partir do momento em que aceitamos que estas linhas são uma realidade, tudo o mais é bizarria acessória.

A primeira menção que lhes é feita por europeus data do século XVI, por um explorador espanhol, mas só começaram a ser referidas com seriedade e método na década de 20 do século passado, quando alguns aviadores amadores e expedições militares entraram em contacto com um oásis arqueológico no deserto. Desde 1940 que os estudiosos ocidentais, em colaboração com académicos peruanos, têm sido mais sérios. Mas apenas nos aproximámos mais de perceber como funcionava a civilização Nazca, não da sua intenção quando deixou no mundo estas enigmáticas marcas. Há uns anos, activistas zelosos do Greenpeace mostraram que estão bem a marimbar para o ambiente histórico quanto estragaram alguns dos desenhos numa manifestação; e este ano, um cmaionista pouco sóbrio guinou para o parque arquelógico onde danificou também algumas linhas. Em ambos os casos o governo peruano interveio a sério. Para eles, isto é de honra. Os vorazes teóricos de de antigos astronautas encontraram aqui uma inesgotável fonte de conspirações e intriga, mas o facto é que mesmo com instrumentos simples, um conjunto reduzido de pessoas conseguia desenhar qualquer um destes esboços na rocha. Os cépticos riem, mas o facto é que ninguém consegue explicar o motivo e esse é o grande busílis e a razão pela qual as linhas de Nazca não só hipnotizam na sua faíscanta intensidade curiosa, atraindo todos os anos milhares de turistas a esta inóspita região peruana, mas também incomodam quem acha que o mundo se explica facilmente e a História nada tem de misterioso e é uma narrativa linear e simples. Crentes iludidos passam atestados de estupidez à raça humana assentindo que algum tipo de engenharia complexa na nossa infância civilizacional só se pode dever a intervenções extraterrestres; empedernidos desmistificadores mataram no interior de si próprios a capacidade para se admirarem e sonharem perante o mistério e o desconhecido. Nazca recorda-me sempre a razão pela qual gosto de História - a eterna, permanente e inesgotável capacidade de escapar a quem quer prendê-la numa jaula de tédio, porque baseando-se em motivações humanas, será por natureza imprevisível e imensa nas suas explicações.


A melhor maneira de observar estes mistérios é a partir do céu, embora haja no parque arquelógico uma torre com treze metros de altura a partir da qual se vêem duas figuras e meia. A pouca distância das figuras, um aeródromo oferece a possibilidade de voos regulares diários sobre o deserto, meia hora de procura a partir do firmamento. O turista compra bilhete, espera sentadinho a sua vez e se assim o desejar, ainda lhe carimbam o passaporte -  é uma viagem à séria. Chegamos e temos logo direito a check-in. Dividimo-nos por duas passagens, por sermos nove bandidos e haver cinco lugares na avioneta que oferece o serviço. Muitos algarismos para a conta simples de assistirmos ao fantástico. Enquanto esperamos, não há muitas possibilidades de diversão. Na sala de espera do aeródromo, três televisões passam em loop um documentário da National Geographic, narrado pelo inconfundível Peter Coyote, onde vários arqueólogos discorrem sobre quem eram os Nazca, o que faziam, de onde vieram e para onde foram. Sento-me durante um pouco a assistir, a verdade é que sei mais sobre as linhas do que sobre aqueles que as fizeram. A própria National Geographic não consegue escapar ao folclore místico dos alienígenas.

No exterior, várias bancas vendem souvenirs e t-shirts remetentes a este local e o tema dos nossos irmãos de outros planetas recorre quase sempre. Embora seja mais céptico hoje do que o era na minha adolescência, é-me impossível estar na América do Sul sem sentir um pequeno tremor do meu interesse pelo fenómeno OVNI. Recordo-me sempre de um documentário chamado "Ovnis nos Andes", que embora se centrasse no Chile, cravou no meu cérebro este éter de arcano desconhecido que de mão dada faz dançar discos voadores e a austral América. A certa altura, um trio de radialistas chilenos, habitantes de uma pequena cidade mineira, descrevia como, durante uma emissão ao ar livre, viram com uma multidão luzes movendo-se sobre a grande cordilheira que forma a espinha dorsal deste continente. Isto enquanto falavam de OVNI na rádio. A história é tão incrível e contada tão expressiva e tão natural em simultâneo, um entusiasmo infantil e irrepreensível, que já a recriei em vários escritos de ficção. Anos mais tarde, tive a oportunidade de encontrar uma gravação online, no Youtube. Quando me recordo da mesma, a fornalha do apaixonado por mistérios, que em mim arde incandescente em várias intensidades, entra no ponto de fusão. Sei que é algo que as pessoas aprenderam a associar-me e o mesmo amigo que me encaminhou o documentário de que falei acima disse-me que nas questões do amor, o melhor era revelar o mais tardiamente possível este interesse que alguns de nós temos por algo que corre debaixo da realidade. Terá a sua razão, pois é preciso é uma loucura maior até do que o próprio amor, esta de procurar o que todos consideram insanidade ou ridículo. Felizmente, estou numa parte do mundo onde o ridículo é tão parte do tecido da realidade quanto o banal.


O primeiro grupo chega da viagem. Se todos gostaram, quase ninguém demonstra. Há um ar tumular na apresentação geral, um certo agouro que dá a entender que não voaram numa avioneta, mas sim em corvos. Comenta-se que a viagem é muito agitada e os aparelhos pouco estáveis. É nesta altura que o fascínio me cai sobre os olhos e me recordo de um pormenor importantíssimo: a relação muito ténue que o meu estômago mantém com movimentos bruscos. Pode-se dizer que é tão antagónica quanto a que Sérgio Conceição estabelece com o yoga ou a que Rui Vitória possui com qualquer tipo de auto-crítica. No entanto, é tarde demais para voltar atrás: 80 dólares estão pagos e para dizer a verdade, a ideia de ver aquela obsessão que alimentei desde criança enraizou-se tanto na minha cabeça que estou por tudo. Devia lembrar-me que os momentos em que estou por tudo são invariavelmente seguidos de desastres dignos do sismo de 1755, mas o meu voo está prestes a partir e manco de uma lente, tento concentrar-me em como usar uma tele-objectiva para melhor trazer a recordação visual das linhas. Somos conduzidos ao check-in. Eu, a Sofia, o Jorge, a Cina e um peruano jovial e sorridente. Apresenta-se, é o Flores, traz consigo equipamento fotográfico suficiente para cobrir as noivas de Santo António. Saímos do aeródromo, o sol brilha tanto quando caminhamos pela pista. Ao lado da nossa avioneta, os pilotos saúdam-nos. Perguntam-nos se queremos tirar fotos ali, eu escolho não fazê-lo. Quanto mais olho para as asas e para a fuselagem, finas e estou certo que feitas de papel cavalinho, mais reconsidero algumas das minhas opções de vida. A viagem de barco no ano anterior entre duas ilhas das Faroe retine dentro de mim como o sino de alerta do Titanic, mas não há volta a dar. Meia hora no ar está garantida. Pelo meu peso, apontam-me para que me sente à frente. Pelo menos, não estou nos lugares mais problemáticos. Ao meu lado, o Flores ainda não desligou a voltagem dental. Parece esperar algum tipo de serviço de bordo mais exótico de que não fomos avisados.

A avioneta levanta voo normalmente. O piloto, Ernesto, e o co-piloto, Gustavo, apresentam-se com um discurso perfeitamente ensaiado e batido. Já devem ter dito isto tantas vezes que a língua apresenta calos de expressão. Enquanto o avião ganha altitude, referem as linhas, o seu mistério, a possibilidade de extraterrestres serem os seus autores. No Peru, história e pseudo-história cruzam-se com a mesma facilidade com que a avioneta abana à mínima rajada de vento. No entanto, sinto-me bem, sólido. Tomo a minha precaução, agarrando com força elefantina o meu cinto de segurança, que se fosse feito de laranjas teria enchido o cockpit de sumo, tal a força com que o aperto. Como um metrónomo regular, o co-piloto, que faz também as vezes de guia, avisa-nos: a primeira figura, "La baleña" surgirá daí a 42 segundos. Que precisão, penso, que mestre do ar. Não contei pelo relógio para saber se era verdade. Observando o deserto pela janela, já registei algumas linhas rectas sem forma, mas de facto, vai surgindo na encosta do pequeno monte um aglomerado de traços que parecem ganhar forma. Ligo a máquina, preparo-me. "La baleña", anuncia o cicerone, e o seu colega de manche na mão dá uma súbita guinada e a avioneta coloca-se em posição perpendicular em relação ao solo. A redonda janela, que antes estava ao meu lado, aparece por baixo e as minhas costelas arrastam todo o meu sistema digestivo para o conforto do meu baço.Há em mim uma tentativa de sarcasmo, mas corro o risco de cuspir bílis literal. De facto, lá no solo nada uma baleia, com um olho enorme, chapinhando no mar de areia; tentativamente, tiro uma foto, mas concluo que tenho uma escolha simples: ou fotografo ou vejo as figuras. Combinar ambas pode ser um desastre de proporções Bolsonarianas. No entanto, não ficamos por aqui - a avionta regressa à sua posição normal e efectua a mesma manobra para o lado oposto. Novamente a direito, novamente com os pulmões no meu calcanhar e a minha vesícula biliar perdida algures no meu pescoço.


É neste  momento que a minha capacidade de possuir uma excelente memória se volta contra mim. Algures na sala de espera, vi um mapa desta zona. O percurso de avioneta inclui perto de vinte figuras. Tal significa que estes dois moços repetirão as guinadas da morte vezes suficientes para que queira imitar os pássaros, com a diferença de ser muito menos aerodinâmico. Não há qualquer tipo de hipótese na minha guerra: está perdida. O plano de emergência é accionado: duas mãos segurando o cinto de segurança, pernas bem juntas uma à outra, olhos fechados e respiração larga e controlada. Num bolso do banco à minha frente, vejo um saco de papel. Pelo menos, estes carniceiros entendem bem os efeitos da sua barbárie. Num acesso insano, dou por mim a rezar a Viracocha e amaldiçoando todos os conquistadores espanhóis por não terem dizimiado a totalidade dos antepassados de quem guia os destinos da avioneta. O que se segue é hediondo e devia surgir lado a lado com o genocídio do Ruanda como um dos maiores crimes perpetrados contra a raça humana. A cada anúncio, a sensação de suores frios que acompanha os condenados à morte antes de a guilhotina descer. "A la derecha, lo Mono; a la ezquierda, lo Mono. Perfecto". O discurso é sempre o mesmo,maquinal, mudam os nomes: la Araña; el Colibri; lo Pájaro Gigante; las Árboles; é toda uma constelação de monstros que se reuniram numa missão para, quais Vingadores do meu estômago, me deixarem prostrado. Não me rendo, ainda assim.  A cada anúncio de nova figura, permito-me abrir os olhos durante uns dez, quinze segundos. Posso garantir que vi todas as figuras, todinhas; e mesmo no meio de tudo isto, consigo ficar fascinado com a sua nitidez, o seu poderoso e hipnótico magnetismo. A ideia de passear num museu sem paredes e que é visto melhor quando estamos fora do nosso elementos, linhas brancas que rasgam o nosso chão apenas para nos fugirem porque melhor se explicam quando não estamos onde podemos ser mais nós. É uma poesia que só me ocorre mais tarde, mas sentia-a naqueles momentos de terror puro. Acreditem que é preciso uma força desmesurada para contrabalançar os meus momentos de agrura. Se estas imagens o conseguem, estou quase tentado a professar que uma inteligência superior as colocou de facto ali.

Quando anuciam que vamos regressar e aterraremos daí a dez minutos, sou capaz de jurar que o nome da última figura era "Lo Thanos", pois sinto toda a minha resistência a ficar em pó. Passei o pior e resta-me apenas uma linha recta em direcção ao aeródromo; no entanto, uma pulsão quase irresistível leva-me a puxar do saco de papel e oferecer-me um golpe de misericórdia. Talvez porque foi educado a criar as condições perfeitas para envergonhar europeus devido ao que fizemos ao Império Inca, o piloto faz saltar o avião e a minha boca falha o alvo quase por completo, dando às minhas calças um odor muito mais poderoso do que lixívia Chanel. Ao meu lado, Flores, continua a sorrir. Com o telemóvel, filma-se em toda a experiência, estende-me o polegar como que dizendo que está tudo bem. Desconhece que em Ceira, um polegar tão descarado facilmente se interpreta como um convite aberto a que lhe parta a cara com um extintor que está mesmo debaixo do meu banco. A tentação, e a boa educação, quase me obrigam e imagino o sorriso deste Flores em tons de rosa sangue. Resisto, até porque estou tão combalido que creio que acabaria por me agredir ao invés. O vómito sossega-me e os restantes minutos de voo são passados quase morto, sem nada sentir. Damos mais uma voltinha para observar uns poços Nazca e a avioneta desce. As rodas tocam no solo e o aparelho imobiliza-se. Esperam que tenhamos tido uma boa viagem e quero lançar sobre os pilotos o resultado mais óbvio da sua crueldade. Novamente, travo-me. Desejo que o Flores descubra que um deles lhe anda a comer a namorada e que haja um combate de navalhada ali na pista. Não acontece. De facto, que país este, que falta de classe.

Os meus companheiros de viagem procuram saber como estou e algum deve ter julgado que expeli sangue, pela palidez das minhas feições. Confessam que também eles sofreram com a viagem, mas ninguém foi tão abertamente honesto quanto eu. Contiveram-se. É isso que separa os indivíduos que sabem viver em sociedade dos magarefes que fazem do mundo uma choldra gregoriana. Demoro a recuperar. Quando vamos embora, aportamos numa pequena gelataria onde se comem uns crepes e tento convencer-me a devorar um. Neste momento, eu sou uma figura de Nazca: "El derreado". Traçam-me contornos irregulares, gelatinosos, mortos. Sou caracterizado pelo facto de possuir visibilidade até a baixa altitude, sendo inconfundível pela minha cor alva e disposição cadavérica. Podem encontrar-me estendido num sofá, num restaurante de Nazca. Não me parece que tão cedo me tirem de lá, nem qualquer camionista, nem activista de Green Peace; mas não pensem sequer em vê-lo de um avião. É muito provável que vos vomite um míssil terra-ar movido a um ódio por fotógrafos peruanos. E depois de terem lido este relato, pouco há-de sobrar de mistério acerca dos meus desígnios.

quinta-feira, novembro 01, 2018

Perugrinação 8: Mar de areia


O meu maior pecado como cinéfilo é nunca ter visto "Lawrence da Arábia". Não é apenas por ser um clássico inegável - tenho-o em DVD há mais de dez anos e encontra-se ali numa prateleira, tão quietinho quanto as areias do deserto. Não há grandes justificações para isso, nem sequer desculpas. É só imperdoável. No entanto, sei o filme de cor, acho que o vi às partes toda a minha vida e a única coisa que acontecerá quando finalmente me sentar num sofá para me penitenciar será simplesmente ordená-las. Já dele falei a alunos, explicando cenas e pormenores e para quem acha que tal é estranho, desconstruir um filme a que nunca se assistiu, a resposta é simples: David Lean é um desses realizadores com pormenores que valem filmes inteiros e se Peter O'Toole é o nome que mais vezes associamos ao épico das areias que Lean nos deixou, outro homem está acima em importância e esse homem é Freddie Young. Permitam-me um momentinho de nerdice no meio do paleio de viajante. Young ganhou três vezes o Oscar de Fotografia sempre com obras de David Lean e é o artista por excelência do grande plano e do ecrã cheio. Em "Lawrence da Arábia", e repito que nunca vi o filme, fixou-me na ideia a imagem desértica que me tem acompanhado, um cruzamento de vapor de luz com o amarelo carregado da extensão, a linha do horizonte como passagem para um outro mundo, o beijo do calor nas faces encarquilhadas pela desidratação, fantasmas brancos que levitam sem caminhar. Aguardava por isso a minha chegada a um deserto real, um túmulo de grãos infinitos. No plano de viagem, sublinhara com vários traços Huacachina.


Huacachina é um lugarejo, uma horinha a sul de Paracas. Pobre e desolado, um amontoado de tijolos pintados de branco que separados dão casas, atrai milhares de turistas, ainda que a população permanente seja de apenas cem pessoas. Ninguem está interessado no entulho - chegam aqui para fazer uma estrada de três quilómetros de forma a contemplar o único oásis de toda a América do Sul. O que não falta a este continente são desertos, desde o Atacama até à Patagónia, e no Peru temos mais abaixo Nazca e Sechura; mas o que distingue este é a presença de um pequeno aquífero em torno do que qual todos os edifícios são construídos. É o umbigo do deserto. O local simboliza o Peru de tal forma que aparece na parte de trás da nota de 50 sol - as notas peruanas usam o esquema "tromba importante à frente/local emblemático atrás". Aliás, podemos dizer que é símbolo de todo o continente, tem até a alcunha de "Oásis da América". Como qualquer símbolo, há uma lenda. Conta-se que existia aqui uma pequena lagoa e uma princesa - não sei aquela que era cantada pelo Boss AC - pôs-se bem desnuda para melhor apreciar o fresquinho aquático na pele. No entanto, reparando na chegada de um caçador bem másculo, não teve mais tempo do que o demorado para vestir-se, deixando para trás na confusão um espelho. Segundo parece, o espelho assentou no fundo da lagoa e esta cresceu até ao tamanho que podemos ver hoje. Portanto, isto é literalmente um espelho de água


Hoje em dia, pouco mais é do que uma atracção turística. Água tem sido retirada do oásis por gananciosos donos de terras contíguas, obrigando um consórcio de outros donos de terra gananciosos a descarregar líquido no lago de maneira a manter o aspecto aprazível. Na verdade, Huacachina não parece ser aquela experiência genuína que pensei, simplesmente mais um show-off para turista ver, daqueles que infelizmente têm povoado um pouco a visita ao Peru. O que procuram os turistas? Terapêutica, as águas têm fama milagreiras; diversão, existem várias actividades que se podem fazer por aqui, desde sandboarding até uma voltinha de buggy nas dunas. A nós está-nos vedado o buggy. Aparentemente, na semana anterior à nossa chegada, o filho de um dos proprietários dos buggys decidiu que estava na hora de conduzir um dos veículos ainda que, e repare-se, não tivesse carta de condução. Responsabilizou-se pelas vidas de cinco estrangeiros e a meio da voltinha, o buggy capotou e entalou um alemão, matando-o. Deutschland under alles; e o Peru fica com uma complicada situação em mãos com o mais rico e poderoso país europeu. Nada mau para o garoto, acabou por se destacar de alguma maneira. Um dos grandes problemas da vaga de turismo no país é que a maior parte das empresas de serviços não são reguladas e isso é ainda mais comum e evidente em zonas pobres como esta; o pior de tudo é que, como segundo a lei os buggys não são considerados veículos sequer, tecnicamente a única coisa ilegal por aqui foi mesmo o alemão morto. Apesar de a minha viagem não contemplar uma visita à Amazónia, sinto que de alguma maneira acabei por vir até à selva.

Como não há passeio de buggy, o programa depois do almoço é livre. O calor mostra-se pleno, tenho até oportunidade de vestir calções. O hotel onde ficamos guarda uma piscina e é tentador ficar refastelado; mas Freddie Young espera mais de mim. Junto-me ao Jorge, o meu colega de quarto, numa pequena exploração às dunas. Da varanda exterior, as dunas elevadas são perfeitamente visíveis. Pelo seu dorso dourado, trepam formigas de duas pernas, sombras que o sol projecta, impelindo-se até à linha que faz de topo da colina. Seguindo para o lado esquerdo com o olhar, encontramos a promessa de vastidão do deserto. Pegamos nas nossas máquinas, mochila às costas e esperam-nos as areias. Meio da tarde e quase ninguém está junto ao Oásis. Quase todos foram atraídos pela áurea praia sem mar. Também lá chegamos e molhamos os pés sem água. Penso em descalçar-me, mas o melhor é jogar pelo seguro. O deserto de Huacachina não é grande, mas quando se procura o seu fim, ali bem perto daquela linha com que o sol salta à corda, não se encontra. De máquina fotográfica erguida, os pormenores são muitos. Fotografar é um desenrasque na captura da luz e aqui, pela altura das dunas e a inconstância das areias, ocasionalmente sopradas pela aragem, essa luz tem como parente o imprevisto.


Enquanto o Jorge demora o seu tempo ao nível do oásis, eu procuro a altitude, um outro ponto de vista. À minha frente, uma grande duna inclina-se e presto-me a subi-la. Não é fácil caminhar em areia. Se concebem que numa praia já cansa, imaginem fazê-lo num plano picado. A chegada ao topo convida a sentar na areia e apreciar. O tapete deserto foi baldeado, a espaços limpo, noutros afundado. Pegadas misturam-se, desnorteiam-se, rumos indefinidos em passos vividos. Quando o vento sopra, é uma vassoura, apenas para segundos depois alguém estragar o um arranjo. Estou num mar com densidade suficiente para permanecer à tona sem nadar e neste momento, vejo tudo do topo de uma onda, todas as vagas próximas e distantes. É como se a ondulação fizesse pausa e pose para ser fotografada. É um mar amarelo, mas estamos longe da China, e ainda assim este amarelo começa a alranjar com a descida lenta do sol. Tiro da mochila "A história universal da infâmia, de Jorge Luis Borges e dou início ao projecto "Borges nas Américas". Primeiro finjo que o leio; depois, é apenas o livro contemplando o deserto. O meu olhar e o meu pensamento, no entanto, estão no pico que encima a duna onde há umas horas vi formigas humanas a caminho. O Jorge desapareceu, por isso estou por minha conta. Desço este monte de areia a correr e num ápice, estou no sopé do seguinte.

Tenho tempo. Em meu redor, uma maralha de gente, quase todos com menos de trinta anos. Dão vivas, riem, alguns levam pranchas de madeira debaixo do braço. Trepam esta enorme duna apenas para descê-la, e há pouco motivos melhores para fazê-lo. Eu observo o sol, calculo o seu ângulo, apenas quero encontrar um ponto perfeito para fotografar o seu ocaso no deserto, Lawrence do Peru. Encontro alguns dos meus companheiros de grupo já alapados, sem grande vontade de continuar a subida, longa e desgastante. Quando observo o topo, vejo um magote, esperando a sua vez para surfar a areia. Talvez não seja o melhor ambiente para aquilo a que me proponho. Sento-me então e da mochila sai um tripé que comprei especialmente para a ocasião. Quase que me sinto um fotógrafo verdadeiro. A vista é incrível, a maior caixa de areia que já vi, reverte-me para uma certa criancice de escola. Quero rebolar, mas o adulto em mim sabe o quão difícil é retirar areia do corpo e da roupa. No entanto, sinto os seus pequenos grãos aventurando-se nos pelos da minha perna, com se fossem lianas. Tripé montado, máquina acoplada e de súbito, a hora mágica. O sol precipita-se para a fronteira entre o dia e a noite e enquanto o faz, desliga em banho maria o seu motor de combustão. São cores tórridas que temperam a paisagem, Em primeiro, uma bola de fogo enorme quase engole o resto da Terra; depois um pirilampo num interstício de presença. A passagem é rápida, mas encanta os olhos. Fascino-me como um ocidental que vê o deserto em estreia. É magnífico e pleno de vida, estranho como um deserto pode florescer desta maneira. Mesmo por entre a vacuidade turística deste espaço, há coisas que a saciedade humana não apaga. Esta é uma delas; mas a saciedade tem os seus poderes e de súbito, um desses mesmos turistas passa, dá-me um encontrão e reacção dominó, toco no tripé e a minha máquina mergulha de lente na areia.


Quem é fotógrafo, consegue imaginar o que me atravessou pela espinal medula. Uma mistura de gelo, fúria épica de Super Guerreiro e vontade de dançar o corridinho na focinheira do turista. Um diagrama de Venn conseguiria traduzir o meu sentimento na perfeição. Nem respiro fundo sequer, que guardei o ar nos pulmões. Retiro a minha câmara com cuidado do seu possível túmulo e com a minha t-shirt e o máximo cuidado que os meus tamancos com cinco dedos podem reunir, limpo o que posso. Ponto positivo; o filtro polarizador estava colocado, logo a lente não ficou riscada. Mas o zoom e o foco encrencam, dificultam o seu movimento. Entraram grãos de areia suficientes para comprometer a actividade fotográfica. Algumas fotos de teste, a lente ainda funciona. O astro solar sumiu; no oásis, a luz artifical liga-se e vários pontos amarelos surgem reflectidos no espelho da princesa. Com calma, arrumo a máquina e tento arranjar uma fórmula qualquer de esperança no deserto em que se transformou o meu interior. Não de areia, gelado. É bonito, o espectáculo à minha frente, mas só consigo pensar naquilo que ainda não está e vem por aí, as linhas de Nazca, Macchu Pichu, os Andes, aquela altitude toda... Estarei lá, mas só trarei palavras, as minhas, o que é fraca tralha quando quero mostrar o que me abriu olhos e consciência. As minhas expectativas desaparecem como a luz de um fósforo. Afundar-me no deserto. Tendo em conta a minha vida, é possível na sua totalidade. Afinal, eu sou o cinéfilo que nunca viu "Lawrence of Arabia"