terça-feira, dezembro 27, 2011

O choque do futuro


Em 1970, o futurista (profissão interessante) Alvin Toffler escreveu um profético livro chamado "Future shock", onde descreve uma sociedade que, em virtude do excesso de informação e de mudança, está condenada a adoptar a transitoriedade e o descartável como regra geral, e perde assim uma sentimento de pertença e de posse que os seus antepassados tiveram por viverem num mundo que funcionava a uma velocidade bem mais modesta. Lembro-me de ter lido livro no meu 12º ano, algo que não estava totalmente preparado para fazer. Ainda assim, ficou-me na memória uma passagem sobre algo tão trivial quanto os pratos de papel, e maneira como, ao usá-los, parecemos acelerar o acto de comer, retirando-lhe o prazer. Toffler fazia crer com isso que o mundo estava a avançar para um estado de uso e abuso, em vez de se dar importância a momentos e objectos. Indirectamente, era a crítica a um lento e progressivo combate ao acto de memoriar.

Ora bem, peço perdão pelo parágrafo reminiscente da minha cadeira de Teoria da História. Vem esta referência a propósito de uma ideia, idiota como quase todas, que me cruzou a cabeça ao ver fotos antigas no meu quarto. Aquelas fotos foram tiradas há mais de vinte anos e mostram-me, em criança, com alguns membros da família. São imagens perfeitamente normais, mas comecei a pensar sobre a importância dada ao acto de tirar fotografia, quando as máquinas fotográficas não eram generalizadas e se utilizavam rolos com um limite de fotos. De cada vez que se carregava no botão, era bom que se tivesse a certeza do que se queria fazer. Cada retrato devia ser uma boa oportunidade para gastar uma foto.
Há uma imagem que me comove sempre que a vejo, e que mostra os meus avós maternos, que perdi na década que passou, a olharem para mim como se fosse o melhor presente de Natal que eles tiveram em muito tempo (lembro que ainda era criança, e quando somos crianças, parecemos automaticamente fofinhos). A foto está tirada precisamente no momento certo, em que o mundo parec parar e a mudança ainda não meteu quinta para um mundo de fotos digitais por dá cá aquela palha. Naquela foto, o mundo parou por momentos, e eu fiquei com um instantâneo que me lembra, anos depois, que a memória não é transitória e faz parte de nós. No momento em que a perdemos, também desaparece o nosso sentido de ser e a pessoa que somos.

E é só isto.

terça-feira, dezembro 20, 2011

"Drive"


Há uma cena que encapsula a dicotomia que está presente em "Drive" (prometo que esta é a única frase em que vou soar a João Lopes em toda esta crítica) e que é obviamente, para quem não viu o filme SPOILER: num elevador, The Driver (Ryan Gosling)e Irene (Carey Mulligan), par de almas que se tem vindo a encontrar no filme numa história de amor inocente e bem intencionada, beijam-se num elevador, em slo-mo elegante e baixa luz, numa séria candidata a cena mais sensual do ano. Imedidatamente de seguida, The Driver agarra num mafioso de arma escondida, lançando-o ao chão, para esmagar a sua cabeça ao pontapé num pleno de violência súbita e brutal que emudece o espectador. É como se um demónio acordasse de repente numa paz de alma.

"Drive" é isto: um extraordinário objecto de coolness visual e sonoro, com uma elegância notável, e que se balança entre mundos de ternura e espasmos de tempestade. The Driver, personagem principal magnificamente interpretado por um Ryan Gosling que parece nem fazer muito, mas que interpreta com o corpo aquilo que não exprime com a cara, é-nos apresentado como alguém com pleno domínio da sua habilidade especial, conduzir. Mas cedo desconfiamos que este homem, que nos é dito ter surgido do nada é mais do que aparenta. É um paralelo com outra figura da filmografia de Nicholas Windig Refn, o autor deste filme: o desconhecido que atravessa o anterior "Valhalla rising" como um cavaleiro do Apocalipse. O personagem de Gosling vive a vida sem se chatear, até conhecer a vizinha Irene, e o seu filho. Tornando-se mais um irmão mais velho do miúdo do que uma figura paternal, redescobre talvez qualquer centelha humana que estava adormecida e a sua vida parece compôr-se em normalidade. Isto até ao marido de Irene sair da prisão e trazer para a cena um grupo de mafiosos que pretende dar uma golpada envolvendo um milhão de dólares.
Há algo de Eastwoodiano no personagem de Gosling e em toda a intriga de um homem arrastado para um mundo de violência do qual quer sair. Excepto que aqui, temos de adivinhar exactamente de que mundo saiu esse alien de Gosling (que a certa altura auto-referencia essa sua ausência de definição pessoal quando enverga uma máscara). É difícil, inicialmente, entrar no mundo deste personagem sem nome; no entanto, com pequenos pormenores de estilo que o definem (desde o palito ao casaco escorpiónico), é impossível não nos envolvermos na sua complexidade.

O filme deve muito e o estilo retro dos anos 80, com uma banda sonora à la Moroder, com sintetizadores e vozes distorcidas a dar um tom muito cool a toda a trama, orquestrada por Winding Refn no seu estilo de planos de enquadramento disciplinado e mood ao máximo. Pelo meio da coolness, surge o personagem de Albert Brooks, um daqueles vilões que nos faz pensar "Mas ele até nem é mau... PORRA, O GAJO É DANADO!", inocente na sua vilania, um homem que encarna abrir a cabeça a um homem como mais um dia no escritório. No entanto, revela, ocasionalmente, traços de humanidade, que nos fazem acreditar que realmente é mesmo tudo uma questão de negócios. Mesmo que The Driver não tenha qualquer intuição para tal.

Recomenda-se "Drive" a quem gosta de ser seduzido. Porque com Gosling e Mulligan, é fácil sê-lo. No entanto, não aceitar o olhar de engate que Refn nos lança durante todo o filme pode ser o maior cockblock do ano. Aceitem-no e deixem-se levar. À confiança.

O repelente


Soube que Passos Coelho me quer enviar para, digamos, Angola para ensinar aquilo em que fui formado, História maioritariamente portuguesa. Eles vão achar tanta piada ao século XX português! Passos Coelho, obrigado, meu Querido Líder!

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Um pequenino ensaio sobre bater no fundo


É sempre marcante, embora nada aconselhável, abrir um texto, seja ele de que natureza for, com uma afirmação polémica. Subscrevendo esta teoria, que remonta ao período pós-era feudal, disparo de rajada: Portugal não bateu no fundo.

Choque e horror, diz quem lê! Acaso sofrerá esta formanda de miopia? Certamente que não. Se vamos afirmar em pranto algo tão grave quanto a falência de um país, é bom que deixemos os tiques da nossa nacionalidade durante alguns minutos e nos esqueçamos da nossa obsessão por belas frases e pequenos pormenores. Para proclamarmos que Portugal bateu no fundo, a macro-estrutura tem de indicá-lo; e essa macro-estrutura compõe-se de duas perguntas: haverá algum topo para que Portugal caia no fundo? E quanto a Portugal, entrou nalgum movimento descendente para que lá chegasse?

Em relação ao primeiro ponto, uma olhada não muito demorada em nosso redor leva-nos a concluir que este fundo é relativo. Já Dante Alighieri postulara, quando escreveu a sua “Divina comédia”, que o Inferno tem vários círculos. Analogicamente, o fundo organiza-se em vários níveis de degradação. O primeiro é o suposto topo. Chamar-lhe de topo, no entanto, é tão acertado como designar Muhammad Khadafi de homem razoável. Pensemos: quem compõe o topo? Uma série de países surgem logo à cabeça. A China? Sim, trata a riqueza por tu, mas também o conceito de direitos humanos por “Quem és tu?”; a Índia? Se considerarmos uma sociedade estratificada por castas impermeáveis e onde a pobreza abunda um topo, então temos de rever tudo o que damos como certo e errado; A Rússia? Apenas se a corrupção generalizada não for para o leitor uma fonte inesgotável de vergonha; o Brasil? Passando o problema óbvio que é um país ter o samba como passatempo nacional, a pobreza no interior brasileiro é mais do que suficiente para não encaramos seriamente esta ideia; e quanto à Europa, quase não sobra ninguém para contar uma história de sucesso, entre as trapalhadas de egocentrismo franco-italiano e a destruição do Welfare State britânico, sobram-nos a Alemanha para carregar o pálio europeu, com os seus acólitos escandinavos, mas sejamos sérios: quatro países não são o suficiente para formar um topo. Se Portugal bateu realmente num fundo, apenas se limitou a chegar a uma festa que se desenrola há muito tempo.

Quanto à ideia de movimento descendente, esta parece-me ferida de morte. Será que Portugal caiu? Será que estes vícios e defeitos são novos que a crise surgiu do nada, sem aviso e sem exemplo? A resposta clara é um não. É crença historiográfica que a crise em Portugal tem mais de 150 anos e se tem vindo a arrastar uniforme, apenas sendo acordada por um ou outro espasmo cadavérico. Desde a perda de independência para Espanha que o nosso país se tem profissionalizado na vivência crítica, e caramba, como nos tornámos bons! Até parece que gostamos! Este “fundo” sempre existiu no nosso percurso histórico, manifestando-se de diversas maneiras., sendo que o lodaçal mais denso não é o dos dias em que vivemos. Há séculos que olhamos para cima, não só em busca de salvação, mas também para contemplar o século e meio da nossa História em que estivemos realmente no cimo de algo que não fosse uma pilha de dívidas. Isto de “bater no fundo” é, claro está, um ponto de vista e acima de tudo, de relativismo.

Não nego que Portugal tem problemas, e nem é preciso entrar em questões de dinheiro: o compadrio e corrupção como modo de vida; o chico-espertismo; uma falta de identidade e direcção: sabemos o que não queremos, mas ninguém sabe explicar muito bem por onde quer ir; a ausência de figuras políticas credíveis; uma gritante falta de cuidado para com o nosso património, natural e arquitectónico; a consciência de que os portugueses bem sucedidos são aqueles que souberam escapar ao “portuguese way of life”, e não aqueles que permanecendo lusitanos, passaram ao lado do sucesso; o esquecimento de que as prioridades e a organização fazem parte do crescimento, não só do país, mas também das pessoas; a realidade que é a estupidez se ter tornado o nosso segundo idioma, sendo que o primeiro é a preguiça e apenas em terceiro lugar encontramos a Língua Portuguesa. Os problemas estão tão enraizados e presentes que devia deprimir ser português. Dá vontade de fechar a loja e ir para outro lado.

No entanto, não o fazemos, e essa é a maior prova de que Portugal não bateu no fundo. Organizamos concursos para eleger sete maravilhas nacionais de todo o tipo e orgulhamo-nos delas, e até protestamos na rua quando alguma coisa está errada. São protestos tímidos? Sim, são; mas existem. Se não nos importássemos com este pedaço de terra que aprendemos a respeitar e a considerar nosso, não nos irritávamos, nem dizíamos fatalidades como “Portugal bateu no fundo”. Alguns portugueses bateram no fundo; outros baterão futuramente; mas o país, como nação, como valor, continua a viver em nós e em qualquer coisa que não se define, e só chegará ao desespero quando nos esquecermos de lutar por ele.

domingo, dezembro 04, 2011

Erase/rewind

http://desporto.publico.pt/noticia.aspx?id=1523647

Ridícula, a destruição de um dos edifícios alemães fulcrais de todo o século XX. Eis o que temos: uma Europa com tão má consciência em relação ao passado e tão grande falta dela no que toca ao presente e ao futuro.

domingo, novembro 20, 2011

Desafios


Aprender a ser humano outra vez é das coisas mais difíceis que já enfrentei. Principalmente um diferente daquele que já fui um dia.

terça-feira, novembro 15, 2011

Há luz...

quarta-feira, novembro 02, 2011

Ironias...


Fui assombrado, durante vários anos, pela memória de uma famosa declaração de Artur Jorge (treinador que foi elevado a uma távola redonda de ouro nas Antas, e que se transformou em Morgana da Luz uns anos depois). No início de uma época em que o Benfica foi humilhado pelo Bayern de Munique numa Taça UEFA, com goleadas bastantes expressvivas e em que o principal protagonista foi Jurgen Klinsmann, com 7 golos, o treinador português afirmou que Klinsmann poderia ter ingressado no Benfica, mas que o clube recusou, a conselho de Artur, porque o alemão era velho. Uma frase destas, está claro, havia de voltar para morder no rabo ao clube encarnado.
Ontem, um clube de Chipre fez questão de lembrar que a ironia histórica, quando nasce, deve abençoar todos. Deixo por isso, a propósito do jogador que disparou a bala que derubou um dragão em Chipre, sábias palavras de um homem infalível e que é o paradigma da organização (apesar de estar a dever dinheiro a um clube belga):

"Não compramos Manducas nem Marceis. Compramos jogadores que daqui a dois anos, quando renovarmos a equipa se calhar estaremos a dizer “como é possível vendermos este jogador?” Pinto da Costa - Agosto de 2007, na SIC Notícias

segunda-feira, outubro 24, 2011

Senna


Nunca gostei de Fórmula 1, mas quando era criança, adorava Ayrton Senna. Nem sei bem porquê, talvez pelo capacete. Não tinha idade ou gosto por carros suficiente para perceber o que tornava o brasileiro um comedor de asfalto tão excepcional. O homem ganhou muita coisa, no período em que, precisamente, ainda tinha idade para me maravilhar com heróis no genuíno fascínio que só o período infantil proporciona, e o dia em que ele morreu foi daqueles que me lembro onde estava, o que vestia e até o que estava a comer, enquanto consegui. Fiquei sem apetite quando vi o Williams a espetar-se naquela curva em Imola, num fim de semana embruxado onde o objectivo do cosmos era o de que ninguém saísse com vida daquele circuito. Senna morreu, como qualquer herói trágico, num período de queda, com indícios e ironias trágicas que apontam para a sua morte: conta a irmã que nesse fatídico primeiro de Maio de 1994, Ayrton abriu de manhã a Bíblia, ao calhas, e a citação que lhe saiu na rifa dizia que Deus lhe ia dar o maior dos presentes, Ele mesmo.
O documentário "Senna" do interessante cineasta britânico Asif Kapadia, é um tributo panegírico à carreira do piloto britânico. Fugindo a lugares comuns da técnica documental, Kapadia evita entrevistas e comentário audio, e utiliza apenas imagens de arquivo (algumas inéditas) e as palavras dos intervenientes para contar a história dos dez anos que Senna passou na Formula 1. O que dali sai é uma estrutura de documentário ambiciosa, onde o filme se desenrola como um bom thriller, numa história real quase talhada para ficção: um homem que desafiava a morte em cada guinada de volante, e que acaba mesmo por morrer; teorias da conspiração envolvendo franceses (Alain Prost sai deste documentário como um fuinha queixinhas); ironia trágica que perpassa todos os momentos do filme; um período onde um homem que considerava o seu génio proveniente de Deus combate contra máquinas informatizadas, e perde. Senna surge como um tipo inicialmente ingénuo, que acreditava no puro prazer de conduzir, e que mudou as regras políticas de um jogo que acabou por tramá-lo. Numa era em que o Brasil era sinónimo de pobreza extrema, ele era um herói, visto pelo povo brasileiro como um foco de luz no seu mundo privado de trevas. A razão pela qual demorou quase 20 anos até alguém se lembrar de fazer algo deste género sobre o piloto brasileiro é algo que me ultrapassa.
Quando chega o fim de semana fatídico de Imola, todas as imagens estão carregadas daquela tensão de quem sabe o que vai acontecer; e por isso, quando acontece, o seu impacto não se diminui mas sim amplifica-se. Daí até final, o filme ensaia uma certa dimensão mítica de Senna, e isso é bonito, mas quando desce ao domínio privado, mostrando as imagens da família e amigos de Senna em redor do caixão, e cruzando isso com momentos anteriores do filme, este documentário alcança uma carga emocional rara no género, e deixou-me em lágrimas como muito poucos filmes me deixaram.
Saber que mais nenhum piloto de Formula 1 morreu após Senna apenas acentua ainda mais a tragédia. Como se o brasileiro marcasse o fim de uma era, e nada pudesse ser igual depois da sua passagem na Formula 1. De facto, isso é totalmente verdade.

quarta-feira, outubro 19, 2011

terça-feira, outubro 18, 2011

Obrigatório


Um filme de hora e meia, passado quase totalmente numa sala rectangular pequena. O calor oprime, a chuva lava, e nessa hora e meia, a total realização do peso da possível morte de um homem acumula-se e espalha-se por 11 jurados, perante a resistência de um deles, o número 12, em não concordar com um veredicto unânime de culpado. Não é sobre quem cometeu, mas sobre o porquê de ele não poder ter cometido, sobre a fiabilidade do julgamento humano e também sobre preconceitos terríveis e uma apatia moral que precisa de ser abanada pela vontade de um só homem, magnificamente interpretado por Henry Fonda, que acredita que é seu dever como cidadão preocupar-se com coisas tão importantes quando justiça e o valor da vida de um indivíduo.
E sem ter comícios políticos ou manifestações, atira-nos na cara aquilo que está realmente mal no mundo de hoje, e o que o lançou nesta crise que parece alimentar-se da nossa carne. Lumet exerce, em pleno e calmamente, o poder de uma arte como o cinema.

domingo, outubro 16, 2011

Missing


O meu desaparecimento dos últimos meses tem explicações muito mais prosaicas do que as que provavelmente me valeriam a absolvição por parte da audiência deste blog. Não andei, de facto, enfiado com areia até aos olhos na Líbia, com uma kalashnikov a tiracolo. É mais um sonho de infância que não consegui cumprir, mas penso que uma da partes de crescer é perceber que o único sonho de criança que conseguimos atingir, com alguma certidão, é mesmo ficarmos maiores. Os outros estão sujeitos a negociação com o mercador da existência.
Decidi-me retirar voluntariamente desta banca durante uns tempos. Honestamente, estava a precisar de não escrever alongadamente sobre mim, a minha vida e aquilo em que tenho pensado. Deambulo pelo Facebook, porque é mais ou menos como o corredor da escola, onde passamos o tempo mais a mandar bocas do que a declamar discursos. Por outro lado, o meu hábito de escrever estruturadamente (ou qualquer coisa que possa passar por isso) tem sido zero, pelo que me abstive de nem sequer teclar o que fosse. Por fim, uma maleita que me acompanha há uns meses, e se tem intensificado neste Verão, tem-me tirado o resto da vontade. Um médico diz que é tendinite, outra diz que é artrite. Pelo meio, a minha mão direita parece ter declarado a mim, e gerado o ambiente perfeito para enésimas piadas masturbatórias.
No entanto, o apelo de vários leitores fiéis (os únicos) fez-me reconsiderar os três motivos anteriores, e forçar-me a escrever coisas daquelas que alguns adoram, e outros simplesmente consideram o pretexto ideal para ganharem ainda mais asco. Neste canto, há para todos os gostos!
Siga a marinha, e que comece o 31 da Armada!

sexta-feira, agosto 19, 2011

Predadores


Notícias da Noruega chegam-nos habitualmente uma vez por anos, pelas Calendas do Nobel, mas este ano, o pais nórdico deu-nos uma figura muito pouco silly para figurar como a vedeta da nossa silly season. Um senhor de seu nome Anders Breivik levou demasiado à letra a expressão "passar o Verão a bombar", e ainda acrescentou o massacre em estilo de serviço completo. Breivik tentou justificar-se. Confesso que quando alguém usa o verbo justificar numa situação dessas, os meus ouvidos, habitualmente desligam-se e preferem ligar a Antena 2, de modo a abstrair-me de quanta crueldade o mundo supostamente moderno tem. No entanto, a minha Antena 2 interior não se pode comparar ao domínio que a minha engrenagem de raciocínio tem; e foi assim que penetrei no glorioso mundo da extrema-extrema direita (por respeito à outra, que em vez de matar gente, prefere deixá-la morrer no mar alto). Breivik anunciou que era seu plano criar uma guerra santa contra o Islão e os emigrantes e devolver a Europa aos genuínos europeus.
Não vou aqui andar a dizer o que muitos blogs falaram desde que tais eventos se sucederam. O que quero ressalvar aqui é isto: Breivik, ao contrário de todo e qualquer estadista europeu pós- década de 60, tinha uma ideia para a Europa. Não deixa de ser uma ideia incrivelmente idiota, cheia de ódio e absolutamente desprezível por qualquer pessoa com valores adequados, mas era, ainda assim, uma ideia. Para mais, possuía também um plano, que se entreteve a urdir entre uma leitura do Mein Kampf e uma vista de olhos pelo catálogo da revista "Guns and ammo". Que um homem claramente desequilibrado, e cuja profissão nem sequer tem nada a ver com política, tenha dedicado esforço mental e tempo a pensar naquilo que um conjunto se senhores e senhora já deviam ter solucionado por esta altura é, talvez, um sinal de uma falência política que já não se via há anos. Breivik é o herdeiro de um conjunto de psicopatas no espaço europeu, mas terá sido dos únicos pan-europeus, numa época onde a Europa perdeu um rumo. Obviamente, não defendo que que Breivik é uma vítima destes tempos em que vivemos. Se ele é vítima de algo, é a da sua própria máquina ideológica, que existe noutros países, graças a uma certa retórica de direita e anti-imigração, lançada por políticos que desconhecem claramente os mecanismos da mente humana. Os políticos, que raramente levam a sério as ideias que anunciam, nunca pensam que aqueles que os ouvem não têm a mesma apatia política.
Por muito que nos assuste, o clima político e económico europeu foi criando mais "Breiviks" que pululam por aí, em países tão insuspeitos como a Noruega. Da mesma maneira que a instabilidade norte-americana das décadas de 60 e 70 criou uma série de dementes serial-killers, a crise (não só económica, mas acima de tudo moral) da Europa vai gerar mais dementes que vêem em actos extremos uma solução e uma justificação em si mesma. Onde a crueldade começa a ser sinónima de banalidade; e não estou só a falar de Breivik.

segunda-feira, julho 25, 2011

Tentar comprovar uma teoria

Nunca ganhei o Euromilhões.

(Esperar uma semana a ver se resulta)

sábado, julho 23, 2011

(Alguma d)A minha gente da outra terra

A persistência da memória


Possuo vários defeitos, em maior ou menor escala. Um dos mais intensos e perturbantes é a minha capacidade de me distrair e abstrair da realidade com a mesma facilidade de um peixinho dourado. A minha mãe escreveu uma vez numa coisa de escuteiros que era difícil conviver com um filho para quem a realidade passa para segundo plano. De facto, muitas vezes, o mundo real é apenas um pormenor na minha cabeça. As reflexões a que me entrego, e aquilo em que penso metem-me a quinta mudança em direcção a uma realidade paralela; e nem nós de cordel num dedo, ou cruzes na parte de trás da mão me podem salvar.
Penso que foi por isso que o meu corpo, mais ciente e existente na realidade do que a minha mente (já dizia o velho Konigsberg que a mente tem todas as aspirações nobres e pensamentos profundos, mas o corpo é quem se diverte mais), cirou um mecanismo que prova, sem apelo, de que não podemos fugir ao passado, nem mudar completamente aquilo que somos. Basicamente, convenceu a minha cabeça de que perdi tudo o que trago, o que me obriga a rebuscar bolso, mochila e qualquer apêndice para confirmar o lugar dos objectos. Isto é completamente irracional, até porque em muitas vezes, sei perfeitamente que é impossível ter perdido o que quer quer seja. Mas ali está o alarme, lembrando-me que uma vez distraído, é-se sempre, e que mais vale ter cuidado.
E resulta. Num ano passado fora de casa, nunca perdi qualquer chave, o que, para alguém que um dia foi de ceroulas para a escola porque se esqueceu de que as tinha vestidas, é grande proeza. A evolução existe, mas a persistência da memória é o seu maior obstáculo.

sexta-feira, maio 20, 2011

Que sociedade temos?

O meu entendimento de economia é muito básico. Apesar de ter lido mais sobre ela nos últimos tempos, em parte para perceber a crise, em parte porque a matéria de 8º ano que lecciono envolver algumas básicas noções económicas que tenho de traduzir para miúdos que têm a dificuldade em perceber conceitos simples como "Indica" ou "Refere", não sou um perito em finanças ou funcionamento da máquina monetária que (dizem) suporta o mundo. É uma lacuna, assumo-a, toda a gente tem brechas na armadura.
Uma coisa onde já estou mais à vontade é em ideologias e lógica ideológica. Estudei-a com mais pormenor e atenção, e considero-a bem mais interessante que sociedades anónimas e capitalismo financeiro. Por isso, pergunto: porque é que todas as tentativas de resolver uma crise que, longe de ser só económica, é também social, giram em torno do valor do dinheiro e não do valor da vida de cada um? Porque é que o pensamento é em gerar mais dinheiro para uns poucos fazendo parecer fácil destruir as condições de vida de uns tantos? Porque quando ouço falar em cortar salários, e benefícios sociais, e deixar ao desbarato algo tão necessário para o ser humano como a cultura, essas soluções nos são apresentadas como lógicas.
Podia ir por aí fora a explicar porquê... Mas o quadro está pintado de forma tão óbvia que até me admira como o museu onde se expõe ainda não foi queimado até aos alicerces.

quinta-feira, maio 05, 2011

My kingdom for a norse

Gostei de "Thor", o primeiro dos três blockbusters da Marvel que estrearão neste Verão e, a meu ver, o mais complicado de resultar. Acho que Kenneth Branagh, para sempre ligado ao bardo imortal de Strattford-upon-avon, fez um excelente trabalho em juntar as duas dimensões que se pediam: por um lado o drama mitico-familiar, com um pai e dois irmãos em conflitos dramáticos com textura o suficiente para não serem ocos; e a vertente pipoqueira de grande espectáculo que um filme destes tem obrigatoriamente de ter. Há, de facto, uma simplicidade e ingenuidade neste filme que remetem quase para uma inocência que já não pertence a este tempo, e isso é salutar. Afinal, nem todos os filmes de super-heróis têm de ser "The dark knight", e isso não é necessariamente mau. Uma análise demorada seguirá mais tarde!
Chris Hemsworth faz as vezes de Thor e entre confusões com a SHIELD (a abrir a porta para o filme "The avengers") e o seu irmão Loki, tem tempo para se apaixonar por uma terrestre. Um deus cai de amores por uma mortal. Classic story. Claro que aqui esta terrestre é interpretada por Natalie Portman, e é portanto uma deusa. Twist!

Baseado em factos infelizmente reais

Dirijo-me a um centro de saúde aqui do ilhéu. Dirijo-me ao balcão de atendimento e a senhora sorri e pergunta-me o que desejo. Cometo o erro de abrir a boca e falar sem sotaque. A disposição da senhora muda de imediato e aparentemente não só não faço parte da lista daquele centro de saúde, como nem sequer estou registado no Serviço Nacional de Saúde, e não posso fazê-lo naquele centro de saúde porque era um problema.

E depois sou eu que tenho alguma coisa contra a Madeira.

quarta-feira, abril 27, 2011

O regresso da vingança

Tenho sido um pai, e deve admitir-se isto. Posso dar várias desculpas, mas nenhuma delas pegará; e até são boas. Que diabo, nem são inventadas, têm de ser boas. Mas o facto é que tenho tratado este blog da mesma maneira que o nosso filósofo in chief tratou o país no últimos anos: com a sobranceria de quem é dono disto e pode fazer o que lhe apetece, sem passar cavaco aos habitantes. A diferença é que nenhum de vós fez uma marcha contra mim. Hey, where's the love?
Neste mês e tal, tive a oportunidade de me aperceber de que preciso realmente de um blog. Várias coisas têm acontecido, e sem o blog a funcionar, perco a voz. Não me interessa que o facebook seja mais imediato. Um blog é uma espécie de logbook de que temos cá dentro; o Facebook é mais um livro de cheques (acreditem que é uma metáfora, eu vi "The social network). Por isso, acorro às queixas de vários clientes habituais e tentarei regressar às lides o melhor possível, alertando para que não se desabituem da parvoíce generalizada que aqui impera.
Uma adenda: nos próximos dias, não terei acesso a Internet regularmente nos próximos dias, por isso essa é a melhor desculpa que posso ter. Desculpa não: motivo. Mas andarei mais por aqui, nada temei; ou ao contrário.

terça-feira, março 22, 2011

Luso-alemão


Dize, que a União Europeia começa na solidariedade entre os seus cidadãos. Dizem também que a Alemanha é o paradigma da organização e da boa educação. Dizem também que sou extremamente bem dotado na zona das virilhas; mas na verdade, uso um par de meias dentro das calças.

Relativamente às duas primeiras verdades, devo relatar o que me aconteceu ontem, em pleno 2 (Linha verde, meus caros amigos...) dos Horários do Funchal. Desfrutava eu da brisa da tarde que me enchia de alento, através de uma janela aberta, quando uma manápula enrugada se atravessa no meu campo de visão e fecha a janela. O dono? Um senhor com ar de, no passado, ter servido como animal de estimação de Josef Mengele em Auschwitz. Nada de pedidos, nada de justificações, nadinha. Uma mão rude a desafiar o espaço alheio e toma lá, ó Bruno. Visto que nunca fui conhecido pela diplomacia (e muito menos por baixar a bolinha, mesmo quando isso é o mais certo e recomendável), voltei a abrir a janela. Estava calor, e aquela era, durante o tempo de viagem, a minha janela; e entre eu ter calor e o homem ter frio, a decisão pareceu-me fácil.

Novamente, a mesma manápula ossuda surge à minha frente e desta vez, nem chegou a tocar na janela. Virei-me de imediato e expliquei calmamente ao senhor que não, que não ia sequer tocar naquela janela, porque estava calor. O homem grunhiu durante alguns segundos. Experimentei o inglês, e recebi novos grunhidos. Finalmente, percebi que tinha encontrado o único cidadão alemão em todo o hesmifério norte que não falava inglês. Por fim, tentei a linguagem corporal, que é universal e toda a gente percebe. O senhor levantou-se do seu lugar, e foi sentar-se mais à frente, onde, e isto é bonito, uma janela ainda maior do que a minha estava aberta. Bonito.


Moral da História: Zé Sócrates, nunca me envies para pedinchar dinheiro à Ângela do Reno.

segunda-feira, março 07, 2011

domingo, fevereiro 27, 2011

Bola de cristal dourada


É já hoje a cerimónia dos Óscares. Anseio sempre esta noite com um misto de temor e excitaçao Este ano com mais pois temo uma limpeza por parte de um filme que nao a merece. Mas ja la vamos.
Em virtude do teclado coxo que já referi apontarei apenas as minhas previsoes e quem eu acho que mereceria ganhar dentro dos filmes que pude ver. Mais tarde já com a completa capacidade de expressao tecerei consideraçoes sobre aquele que considero ter sido o melhor ano em termos de filmes desta minha curta carreira de dez anos como vidente de Óscares. Vamos a elas!

Melhor curta-documental: "The warriors of Qiugang"
Melhor curta de animaçao: "Day & night"
Melhor curta-metragem: "The confession"
Melhor cançao: "I I rise"- "127 hours"
Melhor caracterizaçao: "The wolfman"
Melhores eeitos visuais: "Inception"
Melhor montagem de som: "Inception"
Melhor mistura sonora: "Inception"
Melhor banda sonora: "The king's speech" - Alexandre Desplat
Melhor direcçao artística: "Inception"
Melhor fotografia: "True rit" - Roger Deakins
Melhor montagem: "The social network"
Melhor argumento original: "The king's speech" - David Seidler
Melhor argumento adaptado: "The social network" - Aaron Sorkin
Melhor filme de animaçao: "Toy story 3"
Melhor documentário: "Exit through the gift shop" (complicada esta... "Inside job" tem iuais hipóteses)
Melhor filme estrangeiro: "In a better world"
Melhor actriz secundária: Hailee Steinfeld "True grit" (Melissa Leo era a minha favorita até há uns dias... Mas quanto mais penso mais acho provável que a miudita anhe o prémio à la "The piano")
Melhor actor secundário: Christian Bale "The fighter" (e merece completamente! Mas se "The king's speech" começar a limpar o Oscar vai para geoffrey Rush)
Melhor actriz: Natalie Portman "Black swan" (qualquer outra será vergonha para a Academia... e e ela já vai passar por algumas hoje)
Melhor actor: Colin firth "The king's speech" (basicamente porque é uma interpretaçao do caraças e toda a ente gosta dele)
Melhor realizador: David fincher (As probabilidades estao a favor de Tom Hooper depois de anhar o DgA mas eu vou ao fundo com este navio)
Melhor filme: "The kin's speech" (qualquer outro será uma surpresa de proporçoes inéditas na Academia)

Algumas das previsoes sao fluidas. Se "The king's speech" anhar os dois primeiros da noite que sao direcçao artistica e fotografia. entao limpa tudo e ninuém escapa vivo!
Quem me quiser fazer companhia a ver logo we will always have facebook.: the social network! :D

A lista muito pouco escura


10 - "The kids are all ri ht"
9 - "True rit"
8 - "Winter's bone"
7 - "The kin's speech"
6 - "The i hter"
5 - "Inception"
4 - "127 hours"
3 - "Toy story 3"
2 - "Black swan"
1 - "The social network"

Mais escreveria, se o meu teclado estivesse decente. Daqui a uns dias, quando resolver este problema, esticar-me-ei. Amanha, as previsoes.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Flash reviews


Já entrámos na semana que conduz aos prémios do careca dourado e embora o lema geral neste jogo (que não é outra coisa que não isso) seja "Ninguém sabe de nada", já se desconfia que "The king's speech" esteja a caminho da glória, naquele que, por muitos motivos estatísticos, poderá ser um ano incrivelmente atípico. Como é típico, este blog será o vosso guia nesta tempestade de previsões e filmes, na qual facilmente um espectador desatento se perde.

Para começar nesta semana, publicarei as reviews dos filmes nomeados para melhor filme. Relembro que dois deles ("Inception" e "The social network") já foram aqui analisados. Os interessados poderão procurar no blog or essas apreciações.


"Black swan"


Um filme sobre ballet não é coisa me atraia a atenção, por norma; mas um psico-drama interpretado por Natalie Portman e realizado por Darren Aronofsky é uma história completamente diferente. Aronofsky é habitualmente um cineasta visceral. Tirando "The fountain" (um objecto mais de esilo e graça), a sua filmografia é preenchida por filmes arrancados de umas quaisquer entranhas (negras, habitualmente). "Black swan" recupera esse lado retorcido de Aronofsky. Numa conversa, alguém comparava o cineasta norte-americano ao canadiano David Cronenberg, e apenas numa coisa tenho de concordar: ambos têm uma obsessão pelos limites do corpo e as suas mutações. Mas enfim, com este paleio, perdi 10 leitores potenciais.

A história gira em torno de Nina Sayers (Natalie Portman(, uma bailarina, controlada pela mãe, que tem como sonho tornar-se na prima-ballerina da Companhia de Bailado de Nova Iorque. O caminho para obter esse estatuto é conseguir o papel principal de uma nova produção de "O lago dos cisnes" que está a ser encenada por Thomas Leroy, um duro, pouco ortodoxo e intenso coréografo da companhia. Tudo isto coincide com a chegada de uma nova bailarina, Lily, que é tudo o que Nina não consegue ser: livre, desinibida e selvagem, o que a torna numa candidata ao papel duplo de Cisne Branco/Cisne Negro que encabeça o referido bailado.

A partir daqui, começam os jogos mentais, e fronteira entre o que é real e fictício esbate-se. Na verdade, qualquer um com tarimba de Lynch e afins estará mais ou menos preparado para o que se segue, mas centrar a avaliação deste filme na sua capacidade de surpreender é redutor perante o seu poder. No misto entre thriller de horror e ballett, o filme consegue nunca cair e juntar o melhor dos dois mundos. Por um lado, temos o pânico existente no rosto de Natalie Portman, seja pelo medo de não alcançar perfeição ou pela ideia de que possa estar a perder o juízo; pelo outro, o poder emotivo e a delicadeza da obra de Tcahikovsky dançada pela mesma Natalie Portman com absoluta intensidade e dedicação, e emoção suficiente para me seduzir a mim, que ligo tanto a bailado como aos actos de procriação dos varanos de Komodo. Por muito que me digam que o filme é o horror, não posso ddeixar de me sentir estranho, pois comigo efectuou um jogo de sedução até ao final. A história é forte, por vezes incomodativa na forma directa como nos coloca no turbilhão emocional de Nina, mas ao mesmo tempo, é impossível não querer ir atrás e assitir a um desastre prestes a acontecer. E quando acontece, e permite a Nina renascer em si mesma para a magnífica cena final, o impacto é imediato e profundo. Saímos da sala com uma sensação de levza que parece impossível vinda de uma obra tão pesada e forte. mas acontece. E essa coisa que não se consegue explicar, é, para mim, o melhor de "Black swan".

A segunda melhor é a melhor interpretação da carreira de Natalie Portman, sem a qual o filme não funcionaria. A actriz que habitualmente apelido de deusa tem de faezr das coisas de incrível dificuldade: ser uma bailarina credível e mergulhar num mundo de neurose e paranóia que não é facil de transmitir; e é absolutamente bem sucedida em ambos os objectivos. A câmara de Aranofsky assalta-a constantemente, de perto, nos momentos mais íntimos (uma cena de masturbação, em particular, ocorre-me) e Portman expõe-se uma maneira como nunca vi. É um trabalho físico notável, um mergulho no lado ngero (o trocadilho não é intencional) desprendido e absoluto. Se ela não ganhar o Oscar, alguma coisa estará errada. Vincent Cassel (um lobo, para recorrer a outra ópera russa) e Mila Kunis (a natureza desamarrada que Nina apenas consegue vislumbrar dentro de si no início do filme) são também destaques nas interpretações do filme. Darren Aronofsky conduz o filme como se espera: por um labirinto, habitualmente de espelhos, omnipresentes e a apontar a desfragmentação da personalidade de Nina. Usando a direcção de fotografia (excelente) de Matthew Libatique, Aronofsky nunca perde de vista o foco da história e não se deixa iludir por tramas paralelas, como a relação de Nina com a mãe, usando-as para realçar a tranformação do cisne branco em cisne negro, reflectindo o próprio bailado em que se inspira. Se há crítica que lhe podemos apontar, é a de se colar, por vezes em demasia, ao modelo que utilizou em "The wrestler", dando por vezes a ideia de estar a ir por caminhos já trilhados.

Mas fora isso, penso que Aronofsky consegue a proezade juntar as suas marcas pessoas e uma narrativa até convencional de uma maneira apelativa. "Black swan" é um filme forte, mas justificadamente. É convencionalmente não convencional, como quase todos o thrillers sobre personalidade, mas consegue juntar ballet e cinema num objecto que desperta paixões, positivas ou negativas; e Natalie Portman merece tudo o que lhe queiram dar.



sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Concurso "Quem é o maior calhau?"

Whoever wins, we lose!

Verso/Reverso

Como é que os dois tipos mais novos desta foto são também os que parecem mais sérios? E eu e pagaria para ver um buddy movie com Bardem, Bridges e Firth.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Odeio as luzes da ribalta

Nunca liguei muito ao meu aspecto. Um rápido olhar pela minha desconjuntada figura chegará para concluir que o tempo dedicado à minha aparência é inferior ao que um pervertido demora a perder a compostura num desfile da Victoria's Secret. Marimbo-me quase por completo para aquilo que visto, muito raramente compro roupa e o meu cabelo já não vê um pente há anos, e em toda a minha existência,viu gel de forma muito espaçada. Qual não foi o meu espanto então quando, há três anos, descubro uma auto-estrada a correr a minha cabeça de um lado ao outro.
A questão inicial nem foi a falta de cabelo. Foi não conseguir perceber o porquê. Que eu me lembrasse, ninguém da minha família tem este tipo de problemas; e honestamente, nunca maltratei o meu manto capilar ao ponto de sofrer uma vingança destas. Mas há coisas que, honestamente, não têm grande explicação. Eu, que sofro dos males do homem civilizado, devia estar à espera disto. Depois dos estados deprimidos ocasionais e da neurose, o princípio de calvície seria o passo mais lógico.
Este problema fez-me concluir outra coisa com que tenho dificuldade em lidar ainda hoje: existe vaidade em mim. Isto deixou-me surpreendido, talvez porque ainda manquejo a resqu+icios da minha pseudo-intelectualidade passada (um intelectual não liga ao aspecto), mas começar a ver a pele da minha careca fez-me concluir que adoro a minha cabeça pejada de tufos de cabelo e que farei tudo o que me for possível para manter esse status quo. Inclusivamente, utilizar produtos de uma marca com nom nome tão catita quanto "Aroma da Terra" (João Saro, a tua mãe deve-me 10 euros de publicidade). Tem-se tornado um ritual polvilhar a minha cabeça com um produto de cheiro estranho após o banho, mas penso que é em nome de um bem maior: o meu cabelo. Claro que pode ser encarado como a definição de vaidoso, mas eu prefiro chamar-lhe defender o meu próprio corpo. Hoje em dia está na moda renomear coisas óbvias.
Por enquanto, o percurso para a desertificação capilar está relativamente controlado. Mas chegará um dia em que perante o meu aspecto, apenas a minha personalidade mágica me salvará. Noutras palavras, just kill me now.

Na Marinha...

segunda-feira, janeiro 24, 2011

The nominees are...


Penso que já há algum tempo que não olhava para uma lista de nomeados para melhor filme que fosse tão incrivelmente consistente e excitante. É um facto que só vi três dos filmes nomeados, mas o mais fraquinho dentre eles, "The town", é um belo filme; logo o nível de qualidade é altíssimo. Este é um ano excitante para o cinema americano, na minha opinião. Tenho que acreditar nisso quando Christopher Nolan, David Fincher e Darren Aronofsky vão disputar o galardão de melhor realizador.
Para não maçar os leitores com um longo discurso introdutório, e uma lista interminável, deixarei apenas as minhas apostas para as principais categorias e estas breves palavras de contexto. Todos os anos há uma ou outra surpresa e tentei precaver isso, mas é sempre difícil acertar a 100%. "The king's speech", o filme britânico de Tom Hooper, deverá sair com mais nomeações, sendo um filme de época, mas atenção a "The social network". Um ano em que Trent Reznor pode disputar o Oscar de melhor banda sonora revela vitalidade e saúde cinematográfica. Esta poderá ser, a nível de envolvimento pessoal, a cerimónia que mais prazer me dará acompanhar desde que vejo religiosamente os Óscares; e nunca pensei ver um ano em que o meu Deus e aquela que foi durante anos a minha Deusa disputam carecas dourados no mesmo ano.

Melhor filme

"The social network"
"The king's speech"
"Inception"
"Toy story 3"
"Black swan"
"The fighter"
"The kids are all right"
"True grit"
"127 hours"
"The town"
Alternativa: "Winter's bone"

Melhor realizador

Davind Fincher, "The social network"
Christopher Nolan, "Inception"
Darren Aronofsky, "Black swan"
Tom Hooper, "The king's speech"
David O. Russel, "The fighter"
Alternativa: Joel e Ethan Coen, "True grit"

Melhor actor

Colin Firth, "The king's speech"
Jesse Eisenberg, "The social network"
James Franco, "127 hours"
Jeff Bridges, "True grit"
Ryan Gosling, "Blue valentine"
Alternativa: Javier Bardem, "Biutiful"

Melhor actriz

Natalie Portman, "Black swan"
Annette Benning, "The kids are all right"
Jennifer Lawrence, "Winter's bone"
Nicole Kidman, "Rabbit hole"
Julianne Moore, "The kids are all right"
Alternativa: Michelle Williams, "Blue valentine"

Melhor actor secundário

Christian Bale, "The fighter"
Geoffrey Rush, "The king's speech"
Mark Ruffalo, "The kids are all right"
Andrew Garfield, "The social network"
Jeremy Renner, "The town"
Alternativa: Pete Postlewhaite, "The town"

Melhor actriz secundária

Melissa Leo, "The fighter"
Amy Adams, "The fighter"
Helena Bonham-Carter, "The king's speech"
Jacki Weaver, "Animal kingdom"
Haille Steinfeld, "True grit"
Alternativa: Mila Kunis, "Black swan"

Melhor documentário

"Inside job"
"Waiting for superman"
"The Tillman story"
"Exit through the gift shop"
"Restrepo"
Alternativa: "Client 9"

Melhor filme estrangeiro

"Biutiful", Mexico
"Confessions", Japão
"In a better world", Dinamarca
"Incendies", Canada
"Tambien la lluvia", Espanha

Melhor filme de animação

"Toy story 3"
"How to train your dragon"
"The ilusionist"

My beautiful new babies


Eleições e funerais


Em primeiro lugar, gostava de felicitar esta transformação das urnas de voto em urnas funerárias dos cartões de cidadão.
Em segundo lugar, num país sujeito ao choque tecnológico, e que será presidido por um robô, a necessidade de algumas pessoas em terem o velho cartão de eleitor para poderem votar é irónica e, num certo ponto de vista, poética. Afinal, falamos do mesmo país que quer ter TGV e não consegue sequer armas linhas de comboio com menos de 100 quilómetros, nem estradas de alcatrão decentes.
Em terceiro lugar, posso sublinhar o facto de que o voto em branco é, afinal, inútil? Temos um problema grave de falta de alternativas, mas também é verdade que o voto em branco só funciona como grito se houver alguém em cujo efeito se verifique. Um ouvido que rebente quando o grito é alto. Mas a classe política portuguesa, parece-me, tem-nos como garantidos. O povo revolta-se, mas só berra. E enquanto assim for, é deixá-los andar, não é?
Em quarto, desde quando é que Cavaco ganhou o direito de se transformar em mártir político? Se há homem que tem feito dos portugueses mártires no últimos 25 anos, esse homem é Cavaco!
Em quinto, era previsível a quantidade de votos do Coelho originário do arquipélago que me acolhe este ano. Quando Portugal é um circo, os palhaços estão sempre em destaque; e toda a gente adora palhaços que colocam os dedos nos olhos de quem manda.
Em sexto, será que estamos condenados a décadas de política profissional?
Em sétimo e último, gostei da pose de estadista de Cavaco no seu discurso de vitória. Conciliador, apelando ao sonho. Retive particularmente o "Chupem, filhos da mãe! Ganhei"

segunda-feira, janeiro 17, 2011

No entretanto, a 50 metros da civilização...

Ideas are bulletproof


Aparentemente, estas serão as primeiras eleições em que não poderei votar desde que me recenseei. Uns dirão "Que interessa isso?". De facto, o que interessa, perante o estado do país e o sentimento generalizado de que a nossa vontade, assim como assim, não é traduzida correctamente pelas figuras saídas das urnas de voto. Preferia votar nos presidentes dos bancos. Assim como assim, são eles quem na realidade dirige o país.
Acho que vivemos numa era de profunda desilusão política. Noto isso nas aulas que dou ao nono ano. Quando falo dos grandes combates políticos do século XX, eles parecem incapazes de perceber porque é que as pessoas se davam ao trabalho de armar guerras e de fazer das coisas uma questão de vida e morte apenas porque derivava de uma ideia. No fundo, não percebem que numa altura da História humana, ideias e política eram sinónimos. Hoje, não há políticos idealistas: há políticos profissionais, que foram educados em ciência política e onde tudo é um jogo. Durante um tempo, Barack Obama gerou entusiasmo pela sua diferença em relação ao molde. Mas o seu choque frontal com o mundo da real politik foi brutal e desgastante, e o seu idealismo foi obrigado a dar lugar ao xadrez e à negociação, onde novas leis só serão aprovadas se convirem ao ego indivudal (de que outro modo explicar que a lei de ajudas médicas aos profissionais que contraíram doenças em virtude do seu trabalho nos destroços do WTC esteja para passar no Senado há quase dez anos?).
No seu último livro "Ill fares the land", Tony Judt, um intelectual historador de intelectuais, chama a atenção de que nós, como cidadãos, estamos a ser engolidos por princípios como a propriedade privada e a propseridade individual que ajudaram a arruinar um estado social que foi vigente durante quase 30 anos e ajudou uma Europa em ruínas a transformar-se num continente renascido e competitivo. Esse welfare state, uma das maiores proezas da história da civilização, surgiu de uma ideia de Milton Keynes e posta em práctica primeiramente por Roosevelt. Uma ideia. A política devia ser um teatri de ideias. No entanto, hoje em dia, é um jogo de autómatos. E eu evito uma piada óbvia acerca de Cavaco Silva.

Uma segunda opinião


As minhas aulas de CEF neste período (e CEF é Curso de Educação e Formação, só para o nosso leitor João Saro) têm sido sobre autoridade. E que melhor maneira do que leccionar este assunto através de filmes, misturando duas das minhas enormes paixões (que são o cinema e a preguiça)?
Foi este o pretexto que me levou a rever "The dark knight". Apesar de ter o filme em DVD, a nossa relação baseou-se na visão que tinha da caixa, pois durante este tempo todo não assisti à opus magna de Christopher, o Nolan. Depois de na última sexta ter partilhado esta potente obra com 90% dos alunos (os restantes dormiam), concluo contente que a minha primeira apreciação não estava errada: "The dark night" é uma das melhores misturas entre arte e espectáculo que o cinema criou, conseguindo ser ao mesmo tempo um muito bem montado filme de acção e um drama político e moral como poucos filmes arty conseguem ser. É eficaz nos propósitos e fá-lo com uma classe e um sentido de entretenimento (no caso, de emoção e também de adrenalina) que me faz comparar Nolan não a Kubrick, como muitas vezes acontece, mas a Spielberg.
Ah, e Ledger é muito, muito grande, mas só nesta segunda visita reparei no quanto Christian Bale e Aaron Eckhardt contribuem para que a mercurial interpretação do malogrado actor pareça ainda mais selvagem e descontrolada. O estoicismo de Batman e a mudança gradual de Dent/Two fae são o que tornam o Joker numa anarquia maior do que a vida; e Ledger entrega-se a esta anarquia e por ela é comido. Não é uma interpretação, é um jogo de faz de conta.
E posso-vos garantir que aqueles alunos acreditaram.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Código Morse

Há quem acredite que a vida é uma espécie de central de telecomunicações que nos envia sinais de ocasião. O objectivo simples é o de nos orientar nas nossas decisões de vida. A minha chegada à Madeira foi marcada por todo um conjunto de incidentes que seriam a minha desgraça se acreditasse nessas parvoíces. Teria, de momento, a certeza de que esta ilha não me quereria aqui, e que, se quisesse, podia enveredar pelo tipo de história que dá origem a 324 comédias românticas iguais.
Mesmo não ligando a sinais, sinto uma ponta de inveja das pessoas que se orientam e conseguem planear a vida com o mínimo de antecipação. Eu sou incapaz de saber o que farei daqui a uma semana, quanto mais colocar em pratos limpos perante mim mesmo onde vou estar daqui a um ano. Não sei, sinceramente, e talvez seja por medo ou por pura incapacidade de ser adulto, mas nunca me ocorre. É por isso que as resoluções de ano novo me fazem confusão. A vida, essa rádio emissora TSF, altera-nos tantas vezes as frequências de emissão que não gosto muito de me aventurar em futurologia.
Exhibit A: tinha planeado chegar à Madeira a uma hora, meter-me no Airbus, chegar a casa e arrumar confortavelmente as minhas coisas no meu quarto. Na realidade, cheguei duas horas depois do previsto, perdi o Airbus, partilhei o táxi com uma completa estranha até ao Funchal e estive a segundos de derrubar a porta do quarto aos pontapés. Há alguém que trabalhe em empresas de comunicações entre os leitores? Façam-me o favor de decifrar isto!