quinta-feira, dezembro 16, 2010

Drama queen


Acho que não sou só eu que considero Julian Assange, um James Bond de secretária, um drama, ahm, queen (sim, sei que ele é um homem, e duas senhoras suecas poderão garantir que ele não terá grande coisa de "queen"). O indivíduo tem anunciado aos sete ventos que o perseguem, que é um megafone da liberdade e que a principal razão pela qual ele divulga documentos classificados (quão espectacular seria se ele tivesse decidido divulgar estes documentos não na Internet, mas nas próprios "Classificados"?) é pelo prazer que tem em esmagar os poderosos. Nobres motivos e designações, mas será que o que tem sido divulgado é assim tão secreto e bombástico?
A questão dos vôos da CIA é tão há dois anos que dei por mim a bocejar quando se confirmou que países como o nosso tinham dado luz verde aos senhores do outro lado do Atlântico (ou falcões da guerra, na terminologia bloquista). Não é segredo para ninguém que a Europa estendeu uma passadeira para Guantanamo. Quanto às opiniões e relatórios que os embaixadores e analistas fazem de determinadas figuras políticas (onde ouvimos novidades como o facto de o nosso primeiro-ministro ser muito telegénico e de o nosso Presidente da República servir muitas vezes de força de bloqueio ao Governo) parece a secção de fofocas e coscuvilhices de uma revista de sociedade. Na verdade, penso que é mais nesta lógica que se pode encarar a reacção dos governos mundiais: quando alguém descobre o que andamos a dizer nas costas dos outros, a reacção natural é zangarmos, amuarmos, acusarmos e cruzarmos os braços. Ou, como no caso de certo senador republicano, apelidar toda esta situação de "11 de Setembro diplomático".
Se no entretanto vier a público um documento onde se desvenda que Camarate foi orquestrada por sionistas em conluio com extraterrestres e Joaquim Letria, ou eventualmente a descoberta de que, oh céus, foi o capitão Nascimento a alvejar John F. Kennedy, não me parece que Assange se posso vangloriar de ser um mártir ou uma figura perigosa. Mas isso sou eu, que vivo numa ilha onde leaks e Alberto João Jardim têm muito pouco a ver com documentos classificados.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Funchal: uma perspectiva escrita


A cidade do Funchal obedece a um princípio que defendo há muitos: os nossos arquipélagos tinha, quando os Portugueses lá chegaram, gigantescos letreiros em néon que diziam "Território selvagem e impróprio para a a vida! Estais por vossa conta e risco!". Portugueses como somos, cagámos para um aviso claro e decidimos lá meter coisas e coisinhas e coisonas. Com os resultados que se vêem: desastres naturais, jigajogas várias para domar a natureza e também pedofilia em dose dupla. Isto não pode ser coincidência.
Para quem conhece Ceira, o Funchal é o Cabouco, mas maior e com mar ao pé. São ruelas e ruinhas, todas inclinadas, algumas deles meio saídas da selva, e há uma grande rua pelo meio, no caso a Avenida do Mar. Acrescentem uns túneis e umas estradinhas mais largas fora do centro, e têm o Funchal. Uma capital de distrito que faz Coimbra parecer Londres. Olhamos em volta e a nossa cabeça dá um salto geográfico. Vejo-me imediatamente em Bogotá ou Caracas, porque o capacete de nuvens que constantememte ofusca a cidade agarra-se os topos dos Picos madeirenses, verdes, luxuriantes, dando a ilusão que mudámos de continente. Em certa medida, é verdade, pois em proximidade, mais facilmente a Madeira se habilitaria a pertencer à União Africana do que à União Europeia.
Há, no entanto, coisas boas. O mar, para começar. Em dias de sol (que não são raros), pode passera junto à Avenida do Mar e olhar o oceano, com as Três Marias (as ilhas desertas) lá ao fundo ainda é algo de transcendente. Três meses passados. Esta cidade, com duas veias expostas e sempre dispostas a coagular e lançar a confusão, tem um efeito de repulsa sobre o meu instinto, mas ao mesmo tempo, acaba por me confortar ocasionalmente, com pequenos prazeres que eu já tinha esquecido que eram grandes para o meu próprio sentido de prazer. Isto pode ser a Latina América, mas não tem só favelas: há ocasionalmente um Pão de Açúcar para nos consolar a vista. E não, não há aqui um trocadilho maroto escondido. O porquê virá mais tarde.

Avaliações (ou "I believe the children are the future")


Antes de mais, peço reais desculpas por ter vindo a escrever tão pouco neste exílio madeirense. Aparentemente, trabalhar tem dois efeitos secundários: reduz a vontade para certas coisas e provoca cansaço. Por infeliz coincidência, ambos influenciam a produção deste blog. Vou tentar vencê-los e entregar.vis belos nacos de prosa. Ou então vou só tentar vencê-los. É melhor não ser demasiadamente exigente comigo mesmo.

Opinar faz parte do nosso DNA como seres humanos. É um desporto que praticamos com regularidade, e em que basta um pormenor para acontecer grande espectáculo. Avaliar alunos é obedecer ao nosso DNA, mas com a recompensa de um salário. No entanto, parece melhor do que é.
Não gosto muito de avaliar por diversos motivos, sendo que alguns deles são resquícios do meu tempo de aluno revoltado com a injustiça das notas. Atribuir um número ao esforço de um aluno é redutor, ainda mais quando o máximo é a nota cinco. Porque há quatros e quatros, e a distinção não aparece na pauta. Dá vontade de chegar junto de determinado aluno e quase pedir desculpa por lhe dar nota igual a outro que não lhe é igual, mas que, segundos os regulamentos da escola, se lhe equipara. Equilibrismo no seu melhor, e um desporto que acaba por ser radical para a nossa consciência.
No meio desta confusão, uma satisfação: duas notas 5 estão garantidas. Assim, de caras, num primeiro período, e dadas com aquela certeza que, em momentos raros, dá aos professores uma sensação de missão cumprida, por um lado, e por outro de "f***-se, não estragues essa m***a". A menina na foto acima não me tirou 100% nos dois testes por 2% e uma idiotice que me levou quase às lágrimas. Ter uma aluna com este potencial nas mãos assusta-me. Ter mais 5 ou 6 como ela dá-me a volta aos intestinos de uma maneira boa. Sempre disse, e defendo, que é muito mais fácil lidar com maus alunos do que com bons alunos. Ninguém espera nada dos bons alunos. Se eles de repente tirarem boas notas, é lucro para quem ensina. Pegar em bons alunos e levá-los a cumprir todo o potencial que têm... Esse é o desafio, principalmente quando lhes pegamos quando são mais novos (isto soou mais pedófilo do que é realmente). E já sei que comigo, os desafios têm aquela relação difícil. Para meu bem, e para bem do negócio funerário da Madeira, espero que este seja um caso diferente!

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Daqui a uma semana...

É como quem corta e vira... É que é mesmo já ali!

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Filme de fim de semana


Título: "The fall"

Realizador: Tarsem

Elenco: Lee Pace, Catinca Untaru, Justine Wandell

Sinopse: Los Angeles, 1915. Uma criança romena, Alexandria, recupera num hospital, de uma fractura no braço. Aí, conhece Roy, um duplo de cinema que perdeu o uso temporário das pernas. Sob o pretexto de que ela lhe roube morfina, Roy conta-lhe uma história, que a menina visualiza através das sua prodigiosa imaginação.

Review: A última vez que um estúdio deu rédea solta ao talento visual de Tarsem, que se tem exprimido nos últimos anos em vários anúncios e videoclips (como "Losing my religion"), ambos deram ao mundo "A cela", um filme cuja horripilância nem se pode descrever. O estilo barroco do realizador indiano tornou uma história já de si bizarra acerca de serial killers uma coisa horrível.
"The fall" é exactamente o oposto. Sendo um projecto pessoal e que Tarsem financiou com o próprio dinheiro, a obra segue o jeito pessoal que o indiano tem: quanto maior, melhor. No entanto, o contexto de fábula acaba por ser o mais indicado para Tarsem deixar expandir o inegável talento que tem para pintar quadros de imagens em movimentos. Dificilmente encontrarão um filme visualmente fabuloso do que este. Sem efeitos por computador, jura o realizador. E quando virem o filme, percebem que este facto torna tudo ainda mais espantoso. A colaboração do fotógrafo Colin Watkinson é fundamental, e o exagero natural de Tarsem tem o seguimento devido com o guarda-roupa da grande estilista japonesa Eiko Ihsioka, que já tinha dado ao Dracul de Gary Oldman, no filme de Coppola, um look absolutamente excessivo, mas inesquecível. "The fall" tem o tipo de imagens que nos fazem esquecer de respirar por segundos, como se o prazer dos nossos olhos provocasse um qualquer problema nos pulmões.
Esse é, aliás, o ponto forte do filme. É um murro estético poderosíssimo, um objecto rarísimo e que devemos apreciar, pois nos tempos que correm, nenhum estúdio em Hollywood iria financiar um filme deste género, sem actores conhecidos no elenco. É uma das grandes belezas do filme: a cada momento, estamos a apreciar algo de perfeitamente irrepetível. Enquanto assistia a "The fall", sentia-me especial por isso mesmo. Tanto mais que esta obra teve pouca divulgação, e assim, mais especial me sinto por poder desfrutar do poder visual deste filme. Claro que "The fall" nunca consegue caminhar equilibradamente entre olhos e cabeça. O argumento deste filme é desprovido de arcos narrativos de personagens e estrutura, e o balanço entre a fábula que se conta e a vida real está feito de forma atabalhoada. Mas já "Moulin rouge" era assim e não é por isso que o acho um filme menor.
"The fall" é um objecto bizarro, numa história construída a três, entre Alexandria, Roy e nós próprios. Mesmo os problemas de co,unicação entre a menina romana e o duplo norte-americano se reflectem nas nuances da história (por exemplo, entendimento diferente que ambos têm da palavra "indian"). Está cheio de pequenos pormenores fantásticos tiradas engenhosas, que nunca se perdem num todo incoerente. Não sei se isto se deve à habilidade de Tarsem ou à força esmagadora das imagens que cria, mas é um facto que este é dos filmes mais extraordinários feitos no século XXI. Não necessariamente dos melhores, mas aquelas obras que saem fora do normal e que nos sabem dar cinema em grande escala e poderoso sem se armar ao pingarelho.Excessivo, magnificamente belo, raro. É a imaginação de um artista ao serviço do nosso prazer.

P.S: A sequência de créditos de "The fall" é uma curta-metragem à parte, que tem das melhores utilização do Alegretto da 7ª sinfonia de Beethoven que já vi.

sexta-feira, dezembro 03, 2010