sábado, maio 17, 2014

Pequeníssimo texto sobre apoios


Tenho ideia que foi Oscar Wilde o autor de uma frase que define muito bem as relações entre as pessoas: é muito fácil ter pena por quem sofre, mas os verdadeiros amigos são os poucos que se alegram com os nossos sucessos. Talvez seja verdade. Mas quando os nossos amigos ignoram o nosso sofrimento, o que que dirá isso sobre sobre nós?

Dou por mim a pensar nisto de quando em vez, e muitas vezes sou injusto. Passo a mim mesmo e a quem me ouve a ideia de que não tenho quem se preocupe comigo. Tenho; e com probabilidades gargantuanas, mais do que mereço. Os últimos anos têm sido de descoberta, e convenci-me (não sem provas) de que habita em mim um eremita que acha necessitar de companhia. Estranho paradoxo e violenta contradição, mas para quem, como eu, passa o tempo a escrever ficção, seria lógico cultivar uma certa contradição em mim mesmo. É dessa contradição que nascem as personagens mais interessantes. Como não foi uma vez única que me chamaram de personagem, estou a presumir que não seja por acaso.

Não dou valor suficiente aos amigos que tenho. Não consigo pedir-lhes desculpas suficientes por esquecer-me muitas vezes do apoio que me dão, do amor que me devolvem, da estima que me têm. Nesta altura, mais ainda. Boa parte desses amigos são recentes. Oscar Wilde olharia com curiosidade o fenómeno do desaparecimento de uma fatia enorme dos meus conhecidos. Como, quando me sinto perdido num rodopio, parecem ter sumido num triângulo, não sei se vestindo bermudas. Já pensei mais nisso. Já me custou mais, já me doeu mais. Agora abraço o presente, aqueles que me dão a mão e choram por mim o tormento que me torce. Ou que me perguntam com oportunidade. Ou ainda que são parvas quando isso é chamado e rir é o melhor remédio contra os efeitos da Doença.

Obrigado a todos os nomes das minhas páginas, mesmo quando o meu sorriso é amarelo. Para vocês, como deve ser, há sempre espaço, existo sempre eu; e por isto também, as minhas enormes desculpas.

quarta-feira, maio 07, 2014

Ele, ela e eles


2014 ainda tem tudo para ser um ano de compacta devastação à espera de espaço para varrer a minha caixinha emocional dos cantos às paredes, mas inesperadamente, dois factores tornaram esta jornada anual em algo de agridoce. Um foi a aparição, directamente de nenhures, da Daniela e de toda a suspensão da realidade que acontece mal ela entra em cena. Seria um fenómeno que Max Planck estudaria, até porque envolve a teoria dos quanta. Mais especificamente, quanta devoção ela me tem e que parece não conhecer limites. Partilhar horas com ela e ser a esponja da sua infindável capacidade de entusiasmo não só me descongela um pouco, como cria um outro mundo, o terceiro aparte do real e daquele dentro da minha mente. O outro factor é a carreira épica que o Benfica tem feito esta época.

É mais universal de compreender o efeito do primeiro. Penso que qualquer pessoa que já se viu embalada num berço de paixão nascente entende porque é que uma explosão de vida consegue atenuar uma paisagem de morte. Mas um outro tipo de paixão, aquela que se pode nutrir por algo que não respira e anda é mais complicada de explicar. De facto, posso ir mais longe, dizendo que ao contrário da Daniela, o Benfica não me devolve o amor que lhe dou. Está ali há 110 anos, e já teve mais amantes do que um actor porno rotinado teve na sua carreira. Sou apenas mais um que por aqui passa, se perde por completo e se entrega a uma devoção que é irracional e que embora não correspondida, é generosa e recompensadora. O Benfica reduz-me a racionalidade, e lança-me em noventa minutos de impropérios, desgoverno e no caso deste ano, alegria constante e vontade de sorrir. Há também um sentido de camaradagem quando se ama um clube. O que descrevo não é específico do Benfica, e crentes noutras religiões da bola poderão identificar-se com este redemoinho de emoções dos quais não se sai. Uma velha máxima diz-nos que apenas não podemos trocar de duas coisas: a nossa mãe e o clube de futebol.

Vejo habitualmente sozinho os jogos da minha equipa, mas na última quinta-feira abri uma excepção e estando o Benfica tão perto de uma final europeia, decidi que iria espernear de alegria ou vociferar de tristeza com outros irmãos benfiquistas. A catarse de fazê-lo, seja no bom ou no mau, é uma experiência de vida que recomendo a todos os que queiram sair satisfeitos em pleno desta sua viagem no planeta e suas manhas. Seguiram-se noventa minutos de topografia humana completa: montanhas de tensão, planícies de adeptos e todo um planalto andino vestido de vermelho, tendo em conta a maioria sul-americana que milita agora no meu clube. Chamar nomes a italianos nunca me soube tão bem, e partilhar frases feitas e clichés com outros adeptos fez-me sentir, mesmo que por segundos, absolutamente normal e descomplicado. Estranho sempre quem menospreza o futebol, ou o desporto, por ser simples e estupidificante. Que mal existe em ter algo de estúpido na nossa vida? Nenhum, digo eu. Sem coisas estupidificantes, passaria os meus dias aninhado a um canto, em posição fetal. Se bem que aqueles dez minutos de desconto dados pelo árbitro quase me fizeram o mesmo. Quando soa o apito final, todos berraram, todos tinham razão: o Benfica tinha explodido dentro de nós e cada um reagia de acordo com a sua ocasião, que o clube é democrático. Vi homens feitos a chorar, e não tinham ganho nada com aquilo a não ser uma centelha de conhecimento dos limites da sua própria máquina de euforia. Abracei alguns, sem no entanto partilhar as suas lágrimas e juntos, todos gritámos ao Benfica, advogando a prática de sodomia entre os jogadores da Juventus e a bola de futebol. Ser humano também isto.

Chamam-nos loucos da cabeça, e mesmo que não sendo do Benfica, é uma certeza quando se vibra com futebol. A Daniela também já começa a sofrer com o Benfica e diz-me sempre que vai ficar sem dedos em breve, de tanto fazer figas. Pensei sempre que iria levar à loucura qualquer rapariga que decidisse embarcar numa relação comigo, mas nunca pensei que a arrastasse para algo ainda maior do que a minha própria loucura. No entanto, ela gosta, e como eu gosto do Benfica e da Daniela, biso na baliza adversária onde ultimamente as bolas só iam ao poste.