quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Ao gosto


A terceira faixa do novo "In a time lapse" de Ludovico, o Einaudi, leva o nome de "Life", mas assina-se como bem mais do que uma palavra. Arranca-me pela raiz desde os primeiros acordes e as suas notas carregam por mim acima como uma manada de elefantes que decidiu não deixar em pé qualquer embondeiro da savana. Tudo em quatro minutos e vinte e três, concentrados no portento que é querer chorar e não saber. Mesmo com o meu MP3 num cemitério onde já erigi demasiadas lápides em louvor da minha falta de jeito, a cavalgada musical não me saía da cabeça encostada no lugar do Expresso, cabeça essa que por acaso me pertence, a caminho de Braga. Porquê? Porque quando viajo, é normalmente isso que sinto. Não vivo de um síndrome de permanente insatisfação com o lugar em que me encontro; mas penso que a rotina pesada é inimiga do conhecimento, e mesmo dar saltos no escuro, e no longe, não corresponda à minha natureza, cumprimento-me de cada vez que saio do casulo e bato as asas um pouco mais longe. O ar é um dos meus melhores conselheiros quando diferente; e é sempre diferente, nas cambiantes da luz e da satisfação. Quando o acto necessário de respirar nos enche as medidas, algo de estranho, e bom se passa.

Descubro em Braga que as amizades nunca são o que parecem. Não são construções de tempo lineares, e aplicam-se-lhes as mesmas regras da teoria da Relatividade de Einstein: é possível voltar atrás e colocar o presente no passado para descobrir alguns trilhos em direcção ao futuro. É tão simples aquilo que a simpatia pode fazer crescer em alguém, e o quanto é preciso vermo-nos de fora através de desconhecidos para percebermos que raio de ferrugem encrava os mecanismos com que tentamos construir a simples e bela deriva de conhecer pessoas e esperar se feliz assim. Talvez seja uma ilusão pensá-lo, e sei que quando fujo a mim mesmo, ao meu instinto, e me iludo, a coisa nunca corre bem. Mas de vez em quando, é necessário arriscar um estalo sonante para perceber quando confiar em nós e evitar levar outro. Aprendi-o há uns meses, reforcei-o agora. No geral, o género humano é confuso, metido em si e amedrontado, para além de levar muitas vezes longe de mais o acto de não emitir emoções e sentimentos (sei bem, pertenço-lhe). Mas no particular, há casos onde a única dor que podemos arrancar é a de sentar e esperar que passe, em vez de calcar com os pés um chão onde não há areias movediças, apenas a solidez com que construímos alguma certeza, pouca que seja, para correr ao nosso lado. Ou subir escadas até ao Bom Jesus.

Tudo num lapso de tempo. É o que temos, é que se passeia, é que nos pousa sobre a cabeça e faz pesar os momentos; e também o que torna as viagens de Expresso a parte decididamente menos transcendente de uma viagem. Einaudi devia ter também uma composição sobre isso.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

A expressão, antes da liberdade



Não consigo pôr de lado a minha opinião de que Miguel Relvas representa um tipo de decadência cínica. A culpa não é inteiramente dele: como país, ajudámos a construir e a aceitar, com a nossa passividade e o mau trato que damos à inteligência, estes ciborgues que se instalam no sistema nervoso central do sistema que nos governa. No entanto, o que direi a seguir é algo puramente de lógica e de raciocínio, baseado numa crença de que embora o mundo e os valores não sejam inteiramente subjectivos, como alguns relativistas algo idiotas querem fazer crer, há mesmo situações que são caleidoscópios à espera da perspectiva correcta.

Uma amiga minha defende que cantar durante o discurso de um político não lhe cerceia a liberdade de expressão, e está certa. Por natureza da profissão, um político terá sempre um exercício desse direito superior ao meu, por exemplo, que muito raramente na vida de tive um microfone à frente, e nunca para me dirigir a um potencial auditório de centenas de milhar para exprimir aquilo que realmente penso acerca do estado de país. Relvas e eu estamos no mesmo patamar no que toca a liberdade (embora isto seja discutível), mas no que toca à expressão, vai uma distância como daqui ao Brunei. É por isso que não consigo entender em que é que aqueles cidadãos que para lá foram usar "Grândoa, vila morena" com o uso que Zeca Afonso intentou afectaram a liberdade de Miguel Relvas. Este, no final, deve ter dobrado a folha de papel e regressou ao carro apenas melindrado por ter apanhado, surpresa, cidadãos descontentes com as suas argoladas constantes e reocupados com a situação de sobrevivência em que, na generalidade, se transformou a vida de quem continua a ser cidadão no próprio país. Se amanhã lhe abrirem o microfone nalguma reunião do PSD, ou conferência no Hotel Sheraton de cinco estrelas, ou numa comissão parlamentar, as palavras continuam lá, serão ditas e manter-se-ão iguais a tantas outras que ele já disse. Não é que eu seja muito mais original, mas tenho ao meu serviço apenas o Facebook e este canto onde só passo de vez em quando, e o meu público é muito restrito, na medida em que se quantifica nas poucas pessoas que me vão querendo ouvir. Na verdade, quem protestou fez um favor a todos: se há coisa que normalmente irrita, é a repetição, excepto quando usada por motivos artísticos, e se bem que Relvas seja um artista, não é um daqueles a que queiramos assistir.

Já que estou a falar sobre política, não posso deixar também de notar como a oposição é, de facto, das piores coisas da Democracia quando,como hoje, a política deixou de ter o monopólio da inteligência. É também por aqui, pela quantidade de labregos e energúmenos que ocupam cargos de relevo que a noção de Serviço Público se expõe a crítica facilitistas quando comparada com o Serviço Privado. A constante exigência de demissões, de forma a precipitar novo sufrágio, sem apresentar qualquer ideia ou conceito estruturado acerca da resolução da crise, e a falta de coragem de assumir ideias que fracturem realmente (quando já se viu que depois de Irlanda e Grécia, Portugal será nova vítima do fenómeno "Falhou nas outras, mas nesta tenho a certeza que fazemos o mesmo e dá!"), de ser criativo, cria em mim o tipo de dúvidas que até agora estavam reservadas às parvoíces internas da minha mente. Liberdade de expressão, dada a quem não tem grande coisa relevante a exprimir.

E depois, perguntam-me por que sou pessimista.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O amor perfeito é aquele que não existe: sete frases


Regrido aos sete anos quando tenho de te falar. Ao longe, ao perto, é queima-roupa, mesmo que me faça sentir nu. Nem precisas de me olhar, pois eu próprio não sou cego ao que me trava. Sento-me e espero que passe, mas um pensamento de cordas feito amarra-me à cadeira, e eu deixo. É estranho como posso gostar de ti, e no entanto não gostar de gostar de ti enquanto desgosto de mim mesmo. Gostar (d)e ter medo. Preencho-me de sustos e torno-me num fantasma.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

(Delírios à noite)


Ora, quando estamos sossegadinhos no nosso canto, a existência, que assume as feições de um jocoso anão endiabrado, lança-nos de Ford Escort Boston por entre estradas e caminhos onde apenas os máximos conseguem enxergar alguma solução. Ainda por cima, o meu não tem os faróis em conformidade com as consistência do breu desde há muitos anos, e conduzir à noite acaba por se transformar num exercício com duas consequências: aumentar a minha hipermetropia e conseguir presenciar, por momentos, um best of dos melhores momentos que Stevie Wonder vê num palco, quando toca ao vivo.

Propuseram-me que escrevesse uma peça. Depois outra. Ficámo-nos por um test-drive de quinze minutos depois de conferenciar com as calendas de Roma, para ver no que dá. Se alguma vez escrevi peças de teatro? Claro, no 9º ano, quando adaptei o "Auto da Barca do Inferno" em verso livre(mente manhoso) para uma peça de zero espectadores. De nada vale dizer isto à remetente da encomenda, que diz ter grandes esperanças para a empreitada. As Calendas mostraram-se mais comedidas, mas igualmente dispostas a esbofetearem-me se não aproveitar a oportunidade. Interessa tentar, claro. Mesmo que me espalhe em grande... Viver é uma sugestão de espalhos até aprendermos a andar sem escorregar. Disse-me alguém, acho. Mas posso estar enganado. com tantos remetentes.

No entretanto, um outro projecto mantém um espaço da minha mente na peugada de José Cid, dez mil anos depois entre Vénus e Marte, e com direito a passagem na Dimensão Alternativa? Qual? Não sei, mas certamente uma onde uma obscura área que criei numa adolescência deprimente me possibilita ocupar algum tempo e alguma cabeça, se bem que ainda não a carteira. O Boss, figura das entrelinhas, diz-me que pode ir longe. Eu encolho os ombros e continuo a pesquisar e a escrever. Na televisão, figuras políticas incentivam ao empreendedorismo. O Boss empreende e eu prendo-me à ideia de que posso fazer disto algo de bom, de novo e de significativo. Um pouco como D. Miguel, rei abolutista, deve ter pensado quando lhe sugeriram armar as Guerras Liberais.

Como a minha cabeça adora puzzles em catadupa, achou que devia mudar a sua natureza. Parva. Até parece que não me conhece e não lidou com esta catadupa de reviengas durante a trintena de anos que demorei a construir quase nada. Insensato, estou a ponderar dar-lhe ouvidos. Criar e aceitar oportunidads. Pessoas de bem dizem que me querem ver feliz. Talvez seja mais fácil, assim sendo, a parte do ver do que a que me toca. Assim como assim, se tiver que tocar, que seja boa música. Ao menos, criam-se melodias que ficam, e que até aos surdos trazem prazer. Pelo menos, foi o que escutei algures, dentro da minha cabeça


terça-feira, fevereiro 05, 2013

Duas pequeninas linhas


Está na hora de fugir à própria fuga, e investir. Investir em acções de bolsa cheia de vontade. Quanto mais não seja, porque com mais dor, chega menos palha a este blog.