quinta-feira, junho 10, 2010

"Justified"


Há uma cena no primeiro episódio de "Justified" em que disse para mim:"Sim, claro que vou ver esta série até ao final." Nela, Rayland Givens, o principal personagem da série, aguarda a oportunidade de interrogar uma mulher acerca de eventos sangrentos referidos anteriormente. Givens acaba de ser despachado de Miami para o seu Kentucky natal, após um tiroteio muito à margem da lei. Givens saiu do Kentucky aos 19 anos por uma razão e ter de voltar é um custo. Por isso, quando um labrego neo-nazi entra pela casa da testemunha adentro com claras intenções hostis, ele não perde a compostura e mantém um laconismo quase espirituoso( sample dialogue "You're an undertaker?"/Well, I might be undertakin' this situation here") e uma autoridade que culmina a cena com a cara do neo-nazi no volante do próprio carro. Tudo sem ter de puxar a arma, sem grandes cenas de acção. Só com presença: pura badassery. Eu estava conquistado.
E porquê? Porque "Justified" é uma série à moda antiga, daquelas em vias de extinção. Baseada numa short story de um dos gurus actuais da literatura criminal norte-americana (Elmore Leonard, o autor do livro em que Tarantino se baeou para escrever "Jackie Brown")tem um protagonista que se inclina perigosamente para o lado dos cowboys (de facto, nunca abdica do seu Stetson), é de uma economia de diálogos e narrativa admirável e descreve acutilantemente o south way of style do Bible Belt norte-americano, enveredando por temáticas morais e religiosas com dose de entretenimento e alimento para o cérebro. A série aborda a culpa, a redenção, a raiva e relações familiras (com especial enfoque em pais abusivos) sem carregar na pregação. É, espantosamente, uma série policial sem paneleirices científicas e uma análise de personagens mais através de hábitos que de grandes discursos. Resumindo, apesar do ar clássico, é bem refrescante.
A escrita e realização da série são excelentes, mas é sem esforço que, num competente elenco, Timothy Olyphant se destaca como o U.S marshall Rayland Givens. Lembrando um Clint Eastwood com mais charme e uma voz menos agreste e granítica, Olyphant regressa ao território que o revelou em "Deadwood", depois de um desvio infeliz como protagonista do filme "Hitman". Olyphant capta o principal do personagem com mestria: a pose, o sotaque southern, o olhar, o ritmo do diálogo. Olyphant tem de caminhar uma linha muito ténue entre a coolness e frieza de Givens e um âmago em ebulição de raiva, abanado por um interesse amoroso complicado, pela sua ex-mulher, pelo melhor amigo criminoso (excelente Walton Goggins) e pela sua relação muito pouco afectuosa com o seu pai. É muito difícil gerir estas duas dimensões com sucesso e numa e outra vez, Olyphant consegue fazê-lo.

"Justified" recomenda-se a quem quer descansar a cabeça de enigmas complicados e crimes com análises de ADN, comparações de trajectória de balas e também personagens mal amanhados. Recomenda-se vivamente a quem aprecia boas histórias, tensão a partir de coisas simples e diálogos do mais cool que há. Coisas como isto:

Raylan: I can only imagine how hard it has been for you to get where you are in the Marshal service
Rachel: Because I'm black or because I'm a woman?
Raylan: Because you're an idiot.

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