segunda-feira, agosto 09, 2010

"Inception"


Usar o trocadilho "filme de sonho" é fácil com "Inception", a obra mais recente de Christopher Nolan, mas nem essa categoria é alcançada, nem este blog vos habituou a trocadilhos fáceis. Ou será que habituou, e esta análise é apenas um sonho? Hum...
Não querendo desvendar grande coisa acerca de "Inception", pois grande parte do prazer que se retira ao vê-la vem do assistir às curvas e contracurvas do enredo, tudo gira em redor de uma das histórias mais antigas de todas, um assalto, mas com um twist: os criminosos entram no inconsciente das pessoas e roubam-lhe ideias. Ao líder, Cobb, é proposto que reúna um grupo para concretizar algo nunca tentado: implementar uma ideia no cérebro de alguém, sem que esta note. A partir daí, temos o encontro entre o heist movie e o thriller de ficção científica. Mesmo assim, sem nunca forçar a mão, Nolan ainda lhe lança algum romance retorcido. Normalmente, esta palavra e o realizador inglês andam de mãos dadas.
O resultado é um filme que sabe a muito e sabe ligeiramente a pouco. "Inception" será, visualmente, o mais espantoso filme do ano. A quantidade de sequência absolutamente arrancadoras de olhos deste filme é a maior por metro quadrado deste ano. É filme soberbo de técnica e de estilo. Nolan finalmente encontra o local ideal para gravar uma cena de luta decente (a gravidade zero) e aproveitando o génio do técnico de efeitos especiais Chris Courbold e a elegante fotografia de Wally Pfister, vai espalhando magia. Uma cena em particular, num elevador, provoca um assombro quase infantil ao espectador. Nolan mostra ser também um exímio gestor de história. Propõe-se a fazer de malabarista de 4 níveis diferentes de consciência e quando parece que vai deixar cair a bola, mostra capacidade para aguentar tudo até ao fim, com o edifício bem estruturado e uma história que, vamos deixar-nos de tretas, se percebe perfeitamente num primeiro visionamento. Só quem desistiu de pensar as mimagens que vê ou está desabituado a ser intelectualmente estimulado num filme é que pode sugerir que o argumento tem algo de trasncendente. Vejam "Mulholland drive" e depois venham-me falar de filmes complicados de perceber.
Escrevendo a história com o irmão Jonah, a mesma dupla de escribas do último "Batman", o que Nolan faz é utilizar o inconsciente para estudar o sentimento de culpa de Cobb, excelsamente interpretado por Leonardo di Caprio, relativamente (spoiler alert!!!!!!!!!!!!!!) à morte da mulher Mal. Utilizá-la como uma espécie de espectro que tem no filme a mesma função que o tubarão ,tinha em "Jaws", ou seja, lançar a confusão, é um achado narrativo de todo o tamanho, e uma piscadela segura ao film noir (fim de spoiler). Di Caprio é o nosso homem na história. É o lado humano da mesma: sem ele, aquilo são brincadeiras sem alma. E o filme não é uma entidade fria e racional. É, com di Caprio, um objecto de melancolia, disfarçado de filme de grande acção. Todo o "Inception" é grande espectáculo, mas o que realmente o faz mover é a dificuldade que um homem tem em largar a culpa, e também o seu desejo em voltar a ganhar o que um dia teve.
O ponto fraco do filme começa a partir daqui. Os personagens que rodeiam di Caprio são imagens. Há ali interessantes pontos de partida, e excelentes actores (Joseph Gordon-Levitt, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Ellen Page), mas em última instância, os potnos de partida ficam-se por aí. Pode-se argumentar que estamos em território pleno de "Cobb show", mas fiquei com a sensação de que o filme podia ser mais rico se algumas ligações entre personagens fossem aprofundadas, ou mesmo expliacas. Art5hur, o personagem de Levitt , é anunciado como o melhor amigo de Cobb, e no entanto nunca temos essa sensação ao longo do filme. São falhas que podem ser perdoadas porque há muitas história a contar, mas pode-se questionar se a quantidade de história não podia ser reduzida em favor disto. Ou se, algures na sala de montagem de Nolan, não estará a peça que falta no puzzle.

"Inception" recomenda-se para quem gosta de cinema estimulante, e histórias originais num tempo onde a maior parte do cinema comercial começa a ser sequela mal amanhada ou reciclagem de reciclagem. Há que louvar o esforço de Nolan em criar um conceito novo, arriscar e tudo e ser bem sucedido. O terceiro Batman já começa a parecer tardio.

3 comentários:

Jo disse...

queria ir ver e agora quero mais :)

Post-It disse...

1º. ai miúdo, começa a fazer a revisão dos textos, pareces hiper-activo e lunático.
2º. vi o filme e acho que é um bom filme de entretenimento. perde, na minha opinião, com tanta tralha que para lá encaixa de forma muito arrumadinha. nota-se que andou a ler uns livritos de psicologia básica, mas aborrece com a fantasmagoria.

Carlos de Figueiredo disse...

Um filme interessante, se bem que longe da obra-prima revolucionária que alguns quiseram fazer dele. Nolan parece ter dificuldades em afrouxar o controlo total que tem sobre o filme, pelo que este exibe marcas de alguma falta de dinamismo visual e narrativo, especialmente envolvendo o mundo onírico. Os sonhos não são feitos à medida da lógica de um arquitecto como em "Inception". São caóticos, incongruentes, surpreendentes e descontrolados. O excepcional anime "Paprika", de Satoshi Kon, é um bom exemplo de como o cinema pode abordar o sonho de forma criativa e estimulante. Contudo, o filme de Nolan não deixa de ser um dos melhores do ano.