terça-feira, maio 15, 2012

Criancices



Ontem, estava eu sentado, descansadamente numa cadeira, quando me passaram uma menina de um ano para os braços. Fiquei sem saber o que reagir. Era como se me tivessem responsabilizado pela integridade de um vaso Ming, pressão que leva os meus apêndices superiores a tornarem-se gelatina durante uns minutos.

Tentei não entrar em pânico, e peguei nela da mesma maneira que tinha visto uns chimpanzés a segurarem nas suas crias há uns anos, no Zoo de Lisboa. Na minha ideia, as crianças até ao ano e meio são muito parecidas com animais, reagindo mais do que raciocinando e sentindo. A criança não desgostou e espantosamente, não se desmanchou num enorme pranto. Talvez porque eu lhe pegava feito chimpanzé, e ter de facto uma parecença corporal com estes bichos. De qualquer forma, eis que um elemento do sexo feminino estava no meu colo e não desatou a fugir. Está um santo para cair no altar.

A petiz olhou-me várias vezes, admirada. Presumo que tenha reconhecido uma daquelas figuras fábulas que lhe lêem em histórias de adormecer. Eu tentava disfarçar algum desconforto. Não estou habituado a ter nas mãos a parcela mais importante da vida de outras pessoas. No entanto, à medida que os segundos passavam, fui achando a coisa engraçada, e a pensar no quão espectacular pode ser um bébé, principalmente quando os outros são responsáveis por tratar das partes mais chatas de tal encargo. Fazer caretas e brincadeiras faz-nos sempre sentir melhor, quando o bébé ri; no entanto, nunca pude deixar de sentir pena dos indivíduos que assoberbam uma criança com tolices, quando se nota que a última coisa que esta precisa é de meia dúzia de adultos a dizer "olá" com voz ajuda e trautear cantigas e lengalengas num linguarejar que teria feito os ursinhos carinhosos virarem para o lado negro, tal a vergonha.

Ora, foi nesta altura de pensamentos cínicos que a mãe adicionou à cena o adereço perfeito: um biberon cheio de leite. Escapou num mistura de ordem e pedido "Tenho de ir lá, dá-lhe de comer", e desapareceu de cena; e eu fique, literalmente, com a menina nos braços. Olhares nas mesas do baptizado viraram-se na minha direcção, como se fosse pedido a Cristiano Ronaldo que recitasse o primeiro canto dos Lusíadas, e a tragédia iminente salivasse os sentidos na esperança do horror. Fiquei como que um boneco, a quem é dado um adereço a meio de uma cena de improvisação. Lá inclinei o biberon e a miúda, num piloto automático admirável, envolveu-o com as suas mãozinhas de cerâmicas e abocanhou a pipeta. Os seus dedinhos ficaram brancos, da força com que se agarravam ao plástico, e por isso, coloquei a minha mão para dar uma ajuda. Estava o cenário montado: Bruno a dar o biberon a uma bébé.

Choveram as bocas do costume, apelou-se ao meu sentido paternal. Respondi com três ou quatro bojardas roçando a ilegalidade segundos as regras de conduta. Mas nos meus braços, uma criaturazinha que tem algum do meu ADN diluído nas veia, era a expressão e a boca mais dorida de como não estou tão distante assim das habilidades paternais quanto penso. Pelo menos, quando tenho de fazer de pai durante vinte minutos. Ajeitei a garota, numa posição mais sentada, e equilibrei-a no meu joelho, esperando que o leite desaparecesse e nada mais sobrasse do que uma memória de fome num plástico

A Carlota acabou e a mãe, vendo isto, nem sequer a retirou dos meus braços. No entanto, achei que a experiência tinha acabado por ali. Passei-a a alguém e levantei-me para me ir embora. O pensamento de eu não ser a única criança na minha existência assustou-me. Por outro lado, talvez tenha sido por isso não houve choro ao meu colo. O reconhecimento imediato de espíritos irmãos é normalmente um anestésico ignorado pela ciência.

2 comentários:

Post-It disse...

o grande pequenote peludo deseja ser pai! :D
texto jeitoso. vais derreter corações ;)

su disse...

estás a usar o truque perfeito para encantar miúdas:P vá.. gostei:))
su