sexta-feira, março 01, 2013

Pipocas avinagradas



Para além de um tratado sobre o umbiguismo do mais alto calibre, onde as flutuações de humor entre deprimido e macambúzio desempenham papel que não é meramente decorativo, este blog tem revelado, ao caminhar em direcção ao seu oitavo ano de existência, a preferência por combater o falso moralismo e o politicamente correcto sempre que a oportunidade surge. Essa motivação já levou a que tudo levasse por tabela, desde sindicatos, protestantes, polícias, os Jogos Olímpicos de Pequim, supostos amigos dos animais, homens, mulheres, populistas e demagogos, entre outros. Muitos seres humanos, e até Miguel Sousa Tavares já por cá arroxou. Separados, são todos interessantes na sua matreirice, mas em conjunto, formam um grupo que em nada desmerece a Operação Gladio italiana no que toca a cinismo, se bem que fiquem a milhas na utilização ponderada da inteligência, nobre dádiva que nos dá tanto quanto exige.

"A pipoca mais doce", um blog que é o mais lido de Portugal (o que já de si diz bastante das prioridades e interesses daqueles que o criticaram há uns dias), tem vindo a ser sujeito a insultos inflamados, porque a senhora que o escreve, e comenta moda, fez, admiração, comentários de moda a uma menina, não sabendo na altura que esta era uma doente oncológica.  Não tendo acompanho em tempo real o comentário da nossa menina de milho frito aos gostos fashion da noite, presumo que quando deitou abaixo a indumentária de Anne Hathaway (não sei se o fez, mas qualquer cidadão decente e com opinião devia tê-lo feito), ninguém se terá erguido com o vigor da fúria que só a indignação ferve nos nossos punhos. Aposto que riram, ou abanaram a cabeça em caso de discórdia; mas um par de comentários a uma rapariga doente chegam para começar nas estações de "Moda é fútil" e acabar nos apeadeiros de "Que falta de respeito pelo ser humano!". Ora, estas pessoas estão a ler um blog de moda, logo não me parece que a questão de superioridade moral se coloque; e mesmo que só tenham apanhado a notícia mais tarde no Facebook, passaram os olhos e começaram a chamar nomes, o que também é muito pouco fofo quando se quer ter razão e marcar uma posição moralista. Suponhamos que se descobre amanhã que Passos Coelho tem cancro: quem andou a chamar-lhe nome deve sentir-se culpado? Não. Porque estar doente não dá direito a um passe contra críticas. E julgar que dá é ser paternalista e condescendente e o raio que o parta. Uma blogger de moda fala sobre moda... Nada mais. Se é esse o seu gosto, e o que a move, seja. A miúda estava vestida pindericamente? Não sei; mas por estar doente, merece-nos mais respeito do que alguém com saúde? Na minha opinião, não, porque isso é começar a colocar humanos em escalas diferentes, e já se sabe que quase todas as ideologias estranhas começam assim: quem merece estar acima e abaixo da linha. O quê, é uma questão de bom senso? Ler coisas no Facebook e fazer delas um palanque para parecer melhor humano?

Há uns tempos, uma outra blogger de moda criou celeuma por afirmar querer muito uma mala Channel. Não interessava que ela reiterasse que o modo de atingir este objectivo era trabalhando e poupando (ou seja, como deve ser): interessa é atirar lama. Apontar o dedo, falar mal, rebaixar alguém e subir na nossa conta usando isso. Se é horrível criticar a roupa de uma adolescente com cancro, usar essa situação para falarmos num megafone e fingir que somos melhores do que outros é algo de baixo e mostra como o Facebook é realmente uma rede social: pega na experiência mais pura de bairro, a maledicência, e amplia-a a uma escala que jamais foi vista em toda a história da espécie humana. O pior disto tudo, e o mais irónico, é que cada vez mais é moda.

P.S: De muito mais pideriquices se poderia falar: da atenção que a imprensa está a dar um assunto que é fait-divers de Internet; do processo que Sofia Alves que mover à senhora da Pipoca, que levará à primeira discussão no campo de Direito sobre o que é ter estilo ou não; ou do que transforma a própria blogger em alguém cujo gosto em roupa é tão infalível que a torna numa personalidade nacional. Mas tudo isso são pormenores acessórios, que vão escapando pelas frestas do chão: o que interessa é o fogo de artifício, o folclore e a fachada. Afinal, aquilo que é a moda e o seu pequeno mundinho.

1 comentário:

Post-It disse...

Tens toda a razão. (A net é lugar estranho... e com tanto para oferecer, as pessoas só se interessam pelo que é mesquinho e vazio...)