terça-feira, junho 04, 2013

Parklife


Quatro acordes. Foi o que necessitei para explodir de vez e sair de mim mesmo durante dois minutos e pouco, comungando dessa demência colectiva com um grupo de gente que saltava como se tivesse molas em vez de carpos e falanges. Graham Coxon deu cora ao meu relógio, e de repente parecia um coelhinho da Duracell, abraçado a três espanholas, bradando uma só vogal que se espalhava pelo parque da cidade do Porto até aos ouvidos de quem trabalhava na refinaria àquela hora. Tinha sido já uma experiência catártica e transcendentes, a espaços celestes, que vivera na hora e meia anterior. Mas aqueles dois minutos, dois agitados, abençoados e libertadores minutos, alimentavam a fornalha da minha vontade há anos. A minha cabeça, eterna prisioneira, sempre encontrou em "Song 2" a solução para se desembrulhar, para fugir na fuga da fugida de dois minutos que concentram assim tudo aquilo pelo qual vale a pena pular e dar cabo do nosso bem estar físico em prol de um som que nos controla qual homem das marionetas.

Os Blur têm nessa canção um marco musical comparável à Nona de Beethoven, ao "Peer Gynt" de Grieg ou à "Yesterday" dos Beatles. Ficará para sempre como o nosso património musical e emocional. Não consigo explicar porque gosto de Blur. Sei a razão de viver fascinado pelo trio de Oakland que Billie Joe Armstrong lidera entre um e outro acesso etílico, mas os muchachos do Essex entraram pela minha vida sem eu dar licença, mantendo-se à força da sua música do caraças. Há um génio particular na criação bluriana, que mistura um estilo popular com o gosto pessoal de perseguir sonoridades diferentes, e inovar. Passada a fase Britpop (um céu e inferno particulares, condensados em dois anos), os álbuns dos Blur são sempre diferentes, e procurando novos planaltos musicais: no álbum homónimo, o rock indie norte-americano destilado pelo quarteto britânico; "13" é a experimentação com trezentos mil sons, num cut/paste que resulta no mais sensível e genuíno álbum da carreira; e em "Think tank" explora-se a world music, enquanto Albarn reflecte o seu próprio percurso pessoal, sem a oposição de um ausente Coxon, nos Gorillaz. Um percurso que me tornou não só fã, mas também uma pessoa com melhor gosto musical e a necessidade de um dia poder agradecer, em gritos e esperneios, o que aqueles quatro me tinham dado.

E foi assim que se uma andorinha não faz uma primavera, milhares de hipsters podem compor uma, e florir ali para os lados de Matosinhos em adoração àquelas bandas obscuras e artistas esquecidos que compõem a sua personalidade irónica e desgarrada. Eu mal queria saber disso: sabia ao que vinha. Fui sozinho, em peregrinação, de mochila às costas e pernas destreinadas. Mas fui; e esperei as horas que eram necessárias. Esperei para ver raparigas e rapazes entregues à cena pop, como se não houvesse outra alternativa. Depois de "Beetlebum", senti-me dessincronizado com o mundo, embora confiasse que as minhas não Adidas me fizessem chegar ao céu de caramelo onde me poderia acertar novamente. Não houve pausas para beber café ou ver televisão: a ternura entre o público e o quarteto, onde Alex James era epítome de coolness e Dave Rowntree o baterista com a fiabilidade do caseiro de uma casa de campo, nos fazia sonhar que naquele parque, podíamos passar toda a uma vida. Mas tudo tem um fim, até mesmo os séculos. Foi uma tristeza vê-lo desaparecer debaixo da passagem que se estendia por cima do palco, mas o seu regresso provou que haverá sempre um amanhã, universal, onde gritamos woo woo e voltamos onde comecei: quatro acordes. O mundo explode, dezasseis anos têm finalmente alguma justiça e eu sinto na boca algo de parecido com felicidade. Não é bem o mesmo, mas o borrão nos meus olhos é muito parecido com lágrimas. Obrigado Damon, Graham, Alex e Dave.

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