quinta-feira, fevereiro 12, 2015

(Espuma)



Cai a neblina, que sabe a mudança, e na areia espessa, que se prende ao mundo, está um búzio. É o búzio das seis e meia da manhã, quando a noite ficou para trás e os olhos só se fecharam para esquecer. Quando o mar me calça os pés com espuma, o búzio é a minha única garantia que tudo isto é real, e que a neblina me veste no faz de conta do despertar. Pego-lhe então e a sua abertura lembra-me lábios que beijo nebulosamente todas as vezes que me solto em mim. Encosto-os ao meu ouvido e ouço a canção das esferas, o cosmos, as nebulosas e mesmo entre uma ou outras supernova, velhos destinos, sussurros e murmúrios. Há quem ouça o mar nessas aberturas: eu mergulho em ti, e naquela manhã, a primeira desde há muito em que o mundo me sabe a outra coisa que não a tua pele, regresso a outros tempos de mar revolto, e de barcos encontrados na tempestade, onde parecem encontrar a razão de navegar. Dou por mim a abraçar um búzio, como se me pudesse devolver tudo o que quero dar e não sou autorizado, e num momento entre minutos, o meu corpo está deitado na areia, mas nem se molha quando o mar se aproxima, o mar foge e nem lhe toca, e enquanto estou a assim, juro que o búzio também me beija, que as manchas madrepérola são os teus olhos castanhos e a praia tem as nossas paredes brancas. Não sabia que a saudade sabia a iodo, mas o teu corpo sempre aqueceu o mercúrio do meu sangue, e num beijo que não existe, o vestido de neblina puxa o sal como cobertor e sinto-me temperado pela tua memória.

É memória de quem não volta. Há mar e mar, e o teu ir implica não voltar, excepto lembrar-te quando ainda sorrias, ainda amavas e ainda respiravas. Tudo o mais são marés, que vêm e voltam, e estando eu na lua, a atracção é imediata. Às sete da manhã, ainda vives num búzio, que guardo no bolso. Ao fundo, a linha de horizonte confirma-se que não voltas, mas que eu tenho o eterno retorno aos teus lábios, no calor de um búzio. O limite chama-me, mas olhando à volta, o meu lugar é aqui, contigo, numa aparição marinha.

Sem comentários: