segunda-feira, julho 06, 2015

Tens piada privada



Posso existir em muitos lados, mas vivo em poucos, rarefeitos, esparsos. Todos somos em corpo no mundo, abanando e tremendo no gozo e sacrifício do que é. Mas viver mesmo, ser mais do que os contornos da carne e explodir faíscante na vida, isso já acontece pouco, em em esporádicos lugares. Aqui, a escrever, existo de sobremaneira e naqueles momentos em que as palavras desenham a fina linha com que quero traçar o que penso, talvez me aproxime de viver. No entanto, a plenitude do mundo está no espaço entre os nossos olhos, horizontal ou vertical, seja quando nos deitamos em paralelo da nossa respiração, e no como torres que se defendem de uma guerra invisível, ou quando numa perpendicular entre o meu tronco sentado e o teu deitado, tomamos a amnésia do mundo com voracidade, e entregamo-nos a nós, aos segredos que podem acontecer entre um par que dança no mundo sem mexer os pés, e faz de todos os seus sons e cheiros papel de parede, só na atenção dos pormenores que são as pupilas e que se tornam, assim sem querermos, a respiração numa oração permanente, numa dádiva para ser gozada porque a cada viagem de ida e volta do ar, posso mirar-te e até mesmo tomar os teus cabelos como um lençol de seda nos meus dedos adormecidos, calmos, porque descansam num leito regalado de comedimento, de simplesmente ceder-me um pouco do que pode ser, do que não se tem, e afinal até se possui. O mundo que existe quando te olho, e tu tens o amável reflexo de me devolver o olhar, e de segurar a minha mão não agarrando, mas com mais cinco dedos invisíveis que me prendem em liberdade.

Viver quando nos encontramos é imediato: sem demoras, sem tempo, só com as medidas de lábios e pontas da língua a pedir meças um ao outro. És-me auto-suficiente.

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