segunda-feira, dezembro 05, 2011

Um pequenino ensaio sobre bater no fundo


É sempre marcante, embora nada aconselhável, abrir um texto, seja ele de que natureza for, com uma afirmação polémica. Subscrevendo esta teoria, que remonta ao período pós-era feudal, disparo de rajada: Portugal não bateu no fundo.

Choque e horror, diz quem lê! Acaso sofrerá esta formanda de miopia? Certamente que não. Se vamos afirmar em pranto algo tão grave quanto a falência de um país, é bom que deixemos os tiques da nossa nacionalidade durante alguns minutos e nos esqueçamos da nossa obsessão por belas frases e pequenos pormenores. Para proclamarmos que Portugal bateu no fundo, a macro-estrutura tem de indicá-lo; e essa macro-estrutura compõe-se de duas perguntas: haverá algum topo para que Portugal caia no fundo? E quanto a Portugal, entrou nalgum movimento descendente para que lá chegasse?

Em relação ao primeiro ponto, uma olhada não muito demorada em nosso redor leva-nos a concluir que este fundo é relativo. Já Dante Alighieri postulara, quando escreveu a sua “Divina comédia”, que o Inferno tem vários círculos. Analogicamente, o fundo organiza-se em vários níveis de degradação. O primeiro é o suposto topo. Chamar-lhe de topo, no entanto, é tão acertado como designar Muhammad Khadafi de homem razoável. Pensemos: quem compõe o topo? Uma série de países surgem logo à cabeça. A China? Sim, trata a riqueza por tu, mas também o conceito de direitos humanos por “Quem és tu?”; a Índia? Se considerarmos uma sociedade estratificada por castas impermeáveis e onde a pobreza abunda um topo, então temos de rever tudo o que damos como certo e errado; A Rússia? Apenas se a corrupção generalizada não for para o leitor uma fonte inesgotável de vergonha; o Brasil? Passando o problema óbvio que é um país ter o samba como passatempo nacional, a pobreza no interior brasileiro é mais do que suficiente para não encaramos seriamente esta ideia; e quanto à Europa, quase não sobra ninguém para contar uma história de sucesso, entre as trapalhadas de egocentrismo franco-italiano e a destruição do Welfare State britânico, sobram-nos a Alemanha para carregar o pálio europeu, com os seus acólitos escandinavos, mas sejamos sérios: quatro países não são o suficiente para formar um topo. Se Portugal bateu realmente num fundo, apenas se limitou a chegar a uma festa que se desenrola há muito tempo.

Quanto à ideia de movimento descendente, esta parece-me ferida de morte. Será que Portugal caiu? Será que estes vícios e defeitos são novos que a crise surgiu do nada, sem aviso e sem exemplo? A resposta clara é um não. É crença historiográfica que a crise em Portugal tem mais de 150 anos e se tem vindo a arrastar uniforme, apenas sendo acordada por um ou outro espasmo cadavérico. Desde a perda de independência para Espanha que o nosso país se tem profissionalizado na vivência crítica, e caramba, como nos tornámos bons! Até parece que gostamos! Este “fundo” sempre existiu no nosso percurso histórico, manifestando-se de diversas maneiras., sendo que o lodaçal mais denso não é o dos dias em que vivemos. Há séculos que olhamos para cima, não só em busca de salvação, mas também para contemplar o século e meio da nossa História em que estivemos realmente no cimo de algo que não fosse uma pilha de dívidas. Isto de “bater no fundo” é, claro está, um ponto de vista e acima de tudo, de relativismo.

Não nego que Portugal tem problemas, e nem é preciso entrar em questões de dinheiro: o compadrio e corrupção como modo de vida; o chico-espertismo; uma falta de identidade e direcção: sabemos o que não queremos, mas ninguém sabe explicar muito bem por onde quer ir; a ausência de figuras políticas credíveis; uma gritante falta de cuidado para com o nosso património, natural e arquitectónico; a consciência de que os portugueses bem sucedidos são aqueles que souberam escapar ao “portuguese way of life”, e não aqueles que permanecendo lusitanos, passaram ao lado do sucesso; o esquecimento de que as prioridades e a organização fazem parte do crescimento, não só do país, mas também das pessoas; a realidade que é a estupidez se ter tornado o nosso segundo idioma, sendo que o primeiro é a preguiça e apenas em terceiro lugar encontramos a Língua Portuguesa. Os problemas estão tão enraizados e presentes que devia deprimir ser português. Dá vontade de fechar a loja e ir para outro lado.

No entanto, não o fazemos, e essa é a maior prova de que Portugal não bateu no fundo. Organizamos concursos para eleger sete maravilhas nacionais de todo o tipo e orgulhamo-nos delas, e até protestamos na rua quando alguma coisa está errada. São protestos tímidos? Sim, são; mas existem. Se não nos importássemos com este pedaço de terra que aprendemos a respeitar e a considerar nosso, não nos irritávamos, nem dizíamos fatalidades como “Portugal bateu no fundo”. Alguns portugueses bateram no fundo; outros baterão futuramente; mas o país, como nação, como valor, continua a viver em nós e em qualquer coisa que não se define, e só chegará ao desespero quando nos esquecermos de lutar por ele.

2 comentários:

João Saro disse...

Por acaso, somos bons nisso de não bater no fundo, porque a frase mais aceite em Portugal é "podia ser pior".

O problema é que não existe um fundo definido... isso podes ver sempre na questão sobre a democracia. Praticamente tomada como um dogma de quase todos os estados ocidentais, não se percebendo que não existe uma linha que divide democracia/ditadura e que nunca, desde a 2ª Guerra Mundial (em Portugal, desde o "25 de Abril"), as regras democráticas estiveram tanto em causa como hoje.

Claro que isto pode ir ainda mais ao fundo e quando estiverem lá ainda há mais caminho para baixo.

Anónimo disse...

conhecem esta anedota?

Sabiam que faltam 2 cadeiras ao P.Passos Coelho para acabar o curso? Uma pela cabeça abaixo e a eléctrica.

JP