terça-feira, setembro 18, 2007

O morto arreliador


Os protestos dos monárquicos e a celeuma de alguns blogs de direita (inclusivé um notável espaço de humor desbragado que é o "31 da Armada") propósito da trasladação dos restos mortais do escritor Aquilino Ribeiro faz com que se discuta, subtilmente, a fronteira que separa o crime do heroísmo. Ribeiro foi, há hoje quase a certeza disso, um dos participantes no regicídio de 1908 e por esse motivo, pelo facto de ter participado num homicídio horrendo de um chefe de estado, não devia conspurcar a pureza do Panteão.
Antes de passar ao que interessa, gostava de lembrar que embora esteja no Panteão gente que, pronto, percebemos porque lá está (Camões, Almeida Garret, Vasco da Gama, Infante D. Henrique, Humberto Delgado), há erros de casting no mínimo duvidosos (Amália?) e gente do calibre de Óscar Carmona, presidente da República durante o Estado Novo, e Sidónio Pais, mini-ditador, hoje esquecido, do nosso período da 1ª República. Portanto, nem o Panteão Nacional tem uma lógica interna de escolha, como também temos o exemplo de um ou outro indivíduo que, vá lá, um estado democrático que quisesse esquecer páginas negras da sua memória teria há muito retirado do local. Mas não. Estão lá; e se querem saber a minha opinião, concordo que assim seja. A sua mera presença faz-nos lembrar da mentalidade nacional em certos momentos da nossa História.
Depois, fazemos mal em lembrar terroristas e pessoas que, em determinado momento, usaram armas para fazer o que achavam certo? É uma questão intrincada, porque nem sempre um olhar actual pode deterimnar a moralidade ou imoralidade dos acontecimentos. É óbvio que hoje se acha que o regicídio acabou por ser um evento que tinha de acontecer, para que chegássemos à democracia que temos hoje; assim como ninguém vai chamar a Salgueiro Maia e seus capitães arruaceiros por terem entrado em Lisboa com chaimites para pedir a Marcelo Caetano que rumasse para outras paragens. A fronteira entre o terrorista e o combatente da liberdade é muito ténue. A História está acima da moral absoluta,porque se encontra presa aos acontecimentos. A forma como estes se sucedem e o seu culminar é que determina as nossas próprias visões como o assunto, juntamente com as crenças pessoais que todos somos livres de ter. Num mundo alternativo, com acontecimentos diferentes, Hitler podia ter sido considerado um bom estadista.
Aquilino Ribeiro pode ter sido carbonário; mas também foi um excelenteescritor. Nesse aspecto, o "Mein kampf" é uma péssima obra de literatura. E pelo que temos visto nas suas gravações, não consta que Bin Laden seja grande cineasta.

E ah, os monárquicos não vêem os republicanos a meter-se com João III por ter trazido a Inquisição para Portugal? Nem com as sangrentas vendettas pessoais de D. Pedro I? Nem com os acessos absolutistas de D. Miguel? Pois...

4 comentários:

João Santiago disse...

Humm..Camões foi grande poeta, artista. Garret, grande escritor, artista. Amália, grande cantora, artista. Porque não no Panteão?

Ou então passam o Camões e o Garrett para o Cemitério da Conchada. Ou para o de Ceira.

Mas afinal, a Amália já morreu?

Rita disse...

Só para meter veneno...Amália não, porque é mulher?

Rita disse...

Amália não, porque é "apenas" cantora?

luminary disse...

Claro que isto levava-nos a uma discussão sobre o que pode ser considerado valor. A Amália... Ná é por ser mulher e agora gostava de me lembrar de uma mulher em toda a história portuguesa que oudesse ir para o Panteão, mas não me lembro de cabeça. é o defeito de uma História que sempre foi masculina e de haver muito poucas mulheres historiadoras a dedicar-se ao feminino. Ainda assim, na lógica retorcida do panteão, não vejo porque uma figura como Sophia de Mello Breyner não pudesse lá estar.
Depois, não vamos dizer que devia estar no panteão com base em quem lá não está ou deixa de estar. Parece-me é que a Amália para lá foi, porque a sua morte provocou comoção, e ficava bem. Sidónio Pais e Carmona foram por motivos políticos.
Por isso, o que devia levar uma figura portughuesa a ser colocada no Panteão? E será que um Panteão tem esse valor assim tão elevado? Se considerarmos o Panteão um mostruário de símbolos nacionais, aí Amália tem lugar, claramente. Se usarmos o critério "figuras mais importantes da nossa História", penso que não. Será que a Amália o foi? O que têm a dizer sobre isto?