terça-feira, fevereiro 10, 2009

"Slumdog millionaire"


Revelo já desde o início uma previsão que vai condicionar toda esta review: este é o filme que dia 22 vai ganhar o Oscar de melhor filme, entre outros.É impossível pará-lo, isso é certoo.A questão que se põe é se é merecido. Qual a resposta? Fiquem para o final.
"Slumdog millionaire" parte de um estratagema engenhoso: na Índia, um jovem, Jamal, está a uma pergunta de poder ganhar 20 milhões de rupias na versão local do "Quem quer se milionário". Nesse momento, o filme faz um flashback até ao início do concurso e até todas as perguntas a que este já respondeu, sendo que cada resposta dada corresponde a um momento em particular na sua vida, o que provoca um novo flashback que conta a história de Jamal, do irmão mais velho Salim e Latika, uma jovenzinha que faz de amor da vida de Jamal. O que nos aguarda é uma história de dor e sofrimento, que não deverá andar longe da realidade dos bairros de lata de Bombaim, a cidade onde decorre a maiorparte da acção da história. Jamal e Salim vivem a história praticamente toda juntos, mas as suas diferenças (Jamal é o ingénuo e bondoso, que acredita no destino, em ajudar os outros e na inocência e nos sonhos; Salim é prático e por isso sabe que o mundo é mau, e que para se sobreviver tem de se comportar à altura) fazem com que cada uma tenha uma vivência diferente e a certa altura, uma existência separada.
Não querendo contar a história do filme ( e por isso, quem quiser ir realmente "virgem", pare por aqui), o final acaba por se tornar previsível a certa altura. A história é demasiado dickensiana para acabar mal. De certa forma, é quase a mais velha história do mundo: um rapaz de bom coração, que luta contra tudo e contra todos para poder conquistar a rapariga e ser feliz. No seu básico, o filme é isto. Os bons são muito bons, os maus são vilanescos e o único personagem com real espessura nesta história acabar por ser Salim, que tem alguma complexidade no seu comportamento e motivações. Jamal, para mim, pelo menos, parece-me um pretexto de personagem e Dev Patel, que acredito ser bom intérprete, apeas a insufla como pode, o suficiente para que criemos empatia com ela. A priemira metade do filme, que retrata a infância dura dos personagens, pelo meio da degradaão e ao mesmo tempo do exótico e da cor das paisagens humanas da Índia, é a melhor. A partir de certa altura, quando Jamal já é adulto e tem um emprego, e ainda procura Latika, começa a parecer desinteressante, porque se assemelha a trezentos filmes de Bollywood. No momento em que Jamal está para responder à última pergunta e o país se pendura na sua resposta, como se fosse uma saída para a sua miséria, como se fosse um motivo para ter esperança, estamos em plena fantasia de Frank Capra, e a dureza com que o filme começa é enviada para as urtigas. Nem falta um número de dança pelo meio.
O filme tem sido celebrado pela sua mensagem de esperança, pelo retrato do colorido e da alegria do Oriente, por ser uma celebração da vida, e em anod e Obama, qualquer filme que retrate esperança tem de ser o filme da moda. A meu ver, é aqui que nasce a sua excessiva valorização: o filme parece-me algo básico e nível de história e interpretações. A sua mensagem, num filme americano, seria acusada de simplista e bacoca, mas como é um filme britânico passado na Índia, estamos bem. Penso que é por isso que não consigo gostar verdadeiramente deste filme: porque me parece que querem transformá-lo em algo que não é. É pena, porque tem realmente coisas muito boas. Para começar, Danny Boyle volta a confirmar que não fez jamais um mau filme. A sua realização cinética (que parece muito pouco britânica) é o ideal para o filme, e maneira como ele e o seu director de fotografia Anthony Dod Mantle (num trabalho bastante interessante) captam a vida das gentes indianas é extraordinária. Aliás, a equipa técnica do filme tem um trabalho muito bom, e faz com que o filme pareça ter sido produzido por mais dinheiro que aquele que está escrito no sue orçamento. No entanto, Danny Boyle já abordou os temas do filme bem melhor boutras obras suas: crianças e sonhos? o subvalorizado "Millions"; uma história em tom de fábula? o bizarro "A life less ordinary"; paisagens orientais? "The Beach"; e degradação e decadência urbana? aquela que continua a ser a sua obra-prima, "Trainspotting", um dos grandes filmes da década de 90.
"Slumdog millionaire" é um filme que vai cair bem nos Óscares, porque é um pretexto para uma série de coisas. Primeiro, é um pretexto para celebrar a esperança e Obama, de atingir o zeitgeist de uma nação, da mesma maneira que o ano passado o fizera através de filmes com negrume abundante em tempos turbulentos; em segundo, é o encontro entre as duas maiores indústrias cinematográficas do mundo, a norte-americana e a indiana, que têm aqui uma oportunidade de se celebrarem mutuamente. A mediação é feita pela britância, que ocupa um papel importante em ambas (grande númeor de membros nos EUA; temáticas e heranças de estrutura de história na Índia(. Aliás, o filme é uma fusão entre o escapismo de Bollywwod e o realismo social britânico; em terceiro, depois de anos a premiar obras complexas e pessimistas, é a altura de a Academia regressar à luz e entrar em contacto com os seus sentimentos. E que melhor do que a história de um menino pobrezinho que passa horrores, mas recebe a sua recompensa plena no final? Não me interpretem mal: eu sou um sucker por histórias destas, mas bem feitas. Esta nunca me deixou de soar forçada. Tenho pena. É um bom filme, não o nego, mas mais pela excelente realização de Boyle do que pela sua mensagem.

1 comentário:

Filipa disse...

e depois um destes dias pede-me o livro para veres como é diferente! a começar no final...
Hei-de ver o filme e dizer o que acho!