terça-feira, setembro 02, 2014

Botões



As portas do elevador fecharam-se no momento em que as suas bocas se abriram uma na outra. A força da gravidade fez cair as suas línguas num mar de saliva, onde o afogamento não é  perigo público, mas sim salvação pessoal. Nada era inesperado, e nenhum deles queria estar à espera. Uma mão seja a outra de desejo, e por entre o desacerto dos passos dados na ponta dos dedos, a descoberta dos recantos atrapalha um pecado pouco original, mas que sabe sempre a obra de arte.
1.
Os seus lábios percorrem uma estrada imaginária que da boca dela conduz pelo pescoço ao vale do peito. Rapidamente nascem gemidos surdos, crescendo a pouco e pouco e em flor, a boca daquela faz das paredes metálicas os lençóis com que se contêm os gritos morde-se e guarda uma explosão que rebentaria o elevador, mas mais certo era continuarem na mesma a levitar. Uma língua no sítio certo dá asas, e naquele momento, numa vertigem para lá do horizonte do umbigo, alguém a tornava num anjo. Um anjo de pernas bambas, a sofrer de alegria, mas um anjo ainda assim. As pontas dos dedos criaram uma crespa floresta na cabeça daquele que conhecia por David, mas que naquele momento se chamava tudo aquilo que o dia a dia lhe negava.
13
Um fecho faz tombar mais defesas do que uma catapulta, mas também ele se lançou num ataque, e às tantas já não sabia o que a fazia tremer mais, se a canção do bandido ou a mão que se dá no momento de aperto. Mas senti-la noutro plano, talvez sendo outra pessoa, ainda que permanecendo a mesma que conhecia, tornava as suas calças no mais desconfortável dos adereços. Ainda pensava ele nisso, e já ela descobria como pô-lo à vontade.
27
Subir. Descer, O elevador ia mesmo para que andar? Que elevador? O que é um elevador? Será um elevador a fazê-lo sair do corpo de cada vez que está dentro dela? Terá um elevador tantos botões quanto os gemidos que ela lhe arranca? Terá a corda do elevador tanta tensão como a que ela lhe tirou do peito quando lhe sussurrou "Fode-me"? E será que se alguma vez fizessem amor, seria tão bom como quando fodiam? Os corpos eram os mesmos, mas quando se faz amor, não se chamam nomes a quem se ama, a não ser que só se goste um bocadinho, e que aquele momento em que as mãos vêem mais longe do que os olhos, ou em que o planeta é uma auto-estrada de pele que segue pelas coxas em direcção ao sabe-se lá onde, é apenas um momento que nos arranca de nós, mas sem nunca abanar. 
44
Ela não sabia se o amor se pode viver de gatas, e quando lhe via os olhos, sabia enquanto ele se retesava, e não lhe dava descanso, nem era no amor em que pensava. Mas o elevador era mesmo esse lugar, onde se puxa o cabelo sem se querer mal, onde as putas são aquelas de quem se gosta e onde ele deixava de ser o seu marido, e era apenas um ele livre de tudo, e ela não era a esposa que tinha o jantar pronto a horas, porque no dia a seguir havia que cumprir o dever de ser mulher. Ali, eram ambos um cheiro indefinido do que já foram, e continuavam a ser, mesmo que o mundo lhe tivesse tirado isso, ou pelo menos pensava. No elevador, o mundo não entrava, e estavam num universo, bem maior do que o mundo, onde a comunicação era feita através de um código morse das pontas dos dedos
59
As pernas tanto tremem que caem, e enquanto deslizam pelo elevador até ao chão, ele segura-lhe os cabelos. Sofia liberta-se ao de leve. Não consegue sequer sentar-se, e mantém-se no limite da rigidez, sem ousar tocar o chão com nada mais do que os pés. Ele ajeita as calças. Olha o relógio, são 4 da manhã. Ergue-se, e tenta vestir-se, mas ela ajuda-o, num pretexto mais para deslizar as suas mãos na cidade de um prédio único. Sorriem e lentamente, deixam de ser ele e ela, e passam a ser eles, novamente de regresso à responsabilidade de enfrentarem juntos a ideia de que um casal não pode foder num elevador.
65
Beijam-se. As portas abrem-se e estão exactamente no andar onde começaram. Na sua cabeça, subiram 100 andares, mas o seu corpo rebentou tectos, e foi visitar uma galáxia ali mesmo ao lado do sol. Estava calor lá.

1 comentário:

Post-It disse...

Isso é que foi uma viagem!
:D Um regabofe de sobe e desce e sobe, eh eh eh!