domingo, abril 08, 2007

A última pessoa a morrer faça o favor de apagar a luz


"Children of men" é uma distopia cujo maior trunfo é a proximidade com o mundo em que vivemos, e, portanto, a probabilidade palpável da sua ameaça. Para além de ter servido de pretexto para o uso da expressão críptica atrás escrita, é também um brutal filmaço.
Conta a história de um mundo em 2027, onde a pessoa mais jovem do planeta, com 18 anos, morreu esfaqueada à porta de um bar. Este é um tempo em que a infertilidade feminina chega aos 100% e onde, portanto, não há esperança nem sequer no som de uma criança a brincar. Theo Farron (Clive Owen), personagem principal, é um desiludido funcionário público, a quem a ex-mulher, Julianne (Julianne Moore) pede que escolte uma jovem negra até à costa. A missão reveste-se de especial risco, visto que a jovem é imigrante e a Inglaterra de 2027 proíbe a entrada de estrangeiros e quando os encontra, envia-os para campos de detenção, onde são processados e devolvidos aos países de origem. Entend-ase por campos de detenção uma região inteira no sul do país, que toma os contornos de cidade controlada pela polícia e onde a constante anarquia reina entre os refugiados que aí são colocados. Para mais, Theo descobre o porquê de esta jovem ser importante: ela é sinal de esperança...
Alfonso Cuáron adopta a estratégia de realizar o filme de câmara ao ombro, a pedir meças ao estilo habitual de Paul Greengrass, onde a imagem anda à solta e planos sequência feitos a pé são regra geral. A estratégia funciona em pleno, pois adapta-se ao futuro caótico onde se vive, sujo, desiludido consigo mesmo e onde nada, mas mesmo nada parece correr bem. É um futuro tão negro que o simples chorar de uma criança é o que basta para que a esperança surja luminosa, mesmo que seja na proporção de um pirilampo fechado num poço escuro de 12 metros de profundidade. "Children of men" tem excelentes ideias, que precisavam provavelmente de um argumento melhor organizado: toda a história soa a périplo moralista, embora acabe por nunca sê-lo. No entanto, a potente realizçaão de Alfonso Cuáron consegue articular um todo coerente e dá-nos algumas das sequências mais memoráveis do cinema recente, como sejam um ataque a um carro onde a câmara não sia uma única vez do seu interior, e um plano-sequência de Theo e de Kee, a jovem que este protege, num campo de detenção, onde chovem bombas, balas e ódio por todos os lados. Clive Owen, o anti-herói do filme, está excepecional, com um desdém que acaba por nunca ser desprezo, carregando até uma certa nobreza no seu ar meditabundo. Ele acaba por ser, talvez, o mostruário do poder e uma criança como sinal de mudança: um homem que vê a sua fé no mundo perdida com a morte do filho e que acaba por ganhar, com outro que não o é, uma razão, não para sorrir, mas para ao menos lutar. De qualquer forma, o tom do filme é desesperante e a morte está sempre presente. Faz-noz pensar se daqui a 20 anos o desvario não seja este. De qualquer forma, está aqui um dos grandes filmes de 2006 e uma obra de visão obrigatóri para quem gosta de filmes que façam pensar a sério sobre este mundo em que vivemos actualmente.

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