sexta-feira, janeiro 04, 2008

"Eastern promises"


Apesar de não ser um fã daqueles, gosto bastante da obra de David Cronenberg, para lá de todas as reflexões intelectuais que lhe queiram atirar sobre a desconstrução que faz do corpo através de pressupostos tecnológicos e a relação com a tecnologia e o metal, e essa coisada toda. O homem fez "A mosca", "Videodrome", "Scanners" e "The dead zone". São bons filme,s para lá de qualquer intelectualidade. Se quiserem, Cronenberg é uma espécie de Lycnh, mas musculado e definitivamente mais acessível: Lynch navega por terrenos estranhos, claro, mas dentro dos limites alargados da sua própria estranheza. Cronenberg aplica-a directamente no quotidiano: "Naked lunch" é uma trip psicadélica de veneno para insectos e "Crash", um filme choque que não tem nada aspecto de filme choque, mistura sexo, acidentes de automóvel e pessoas que parecem ter perdido a noção da sua própria carnalidade. Porra, agora sooei intelectual.
Foi por isso com surpresa que Cronenberg estreou, há 3 anos, "A history of violence", um filme que aparentemente nada tem a ver com ele: seco, simples, normal. No entanto, a tirarmos a primeira camada, Vemos que Cronenberg está afinal a analisar um tema simples e que tem muito a ver com ele: a violência como um vírus que afecta quem lhe toca. "A history of violence" é, basicamente, o que acontece quando se tenta fugir da violência e não se consegue. Em "Eastern promises", Cronenberg entra num segundo round com temática violenta, mas aqui o ângulo de abordagem é outro: pegando numa das únicas organizações mafiosas em que Scorsese não meteu a mão, a russa, e situando-se em Londres (uma Londres muitíssimo subtil, sem os pontos turísticos habituais), o realizador canadiano conta a história de uma parteira, Anna Ivanovna (Naomi Watts), que assiste uma adolescente a dar à luz. Esta mrre, mas o bébé sobrevive e Ivanovna, querendo impedir que o órfão caia nas malhas da adopção, tenta encontrar os parentes da morta. Para isso, tem apenas o diário da jovem, e é assim que dá com Semyon, um russo dono de um restaurante e que é, sem ela saber, líder uma família dos vory e zaconne. Semyon tem um filho, Kirill (Vincent Cassel), que é o seu subalterno principal e cujo guarda-costas e principal amigo é Nikolai (Viggo Mortensen). A procura começa a partir daqui.
O filme é um portento de economia narrativa, estabelecendo personagens e relações importantes com eficácia: ocasionalmente, surge a voz-off da morta, lendo passagens do sue diário que nos confronta com a sua procura do sonho europeu, algo que sabemos de antemão ir acabar mal. É a partir da sua história que o mundo do crime é abordado, pelo contabando e a maneira como as mulheres são transformadas em objecto pela crime. A morte do sonho é um tema que perpassa o filme. Nikolai, Anna e Kyrill, não revelo porquê, são 3 exemplos. E não querendo voltar à mesma história, quanod nos é dito no filme que a história da vida de um criminoso russo é contada através das suas tatuagens, está claro que esta fita tem uma relação muito próxima com o corpo e as suas mutações. Na verdade, no caso de Nikolai, a definição da história que é contada pelo nosso corpo, é ainda mais premente. Vejam o filme e dpeois falamos sobre este ponto. Cronenberg consegue realizar um thriller sem artifícios de thriller, de tal forma joga com as ligações entre os personagens e as emoções que daí advêm. Isto, meus amigos, não é para todos.
Armin-Mueller Stahl é um chefe criminoso ameaçador, enquanto sustenta o ar de avô; Vincent Cassel faz de Kirill um miúdo que quer a aprovação do pai e parece um miúdo irresponsável e frágil sem a presença de Nikolai, que é um irmão e objecto de um estranho desejo; mas a grande interpretação do filme é Viggo Mortensen, que, tal como em "A history of violence" é muito mais eficaz na subtileza do que na intensidade evidente do seu registo. Em "Eastern promises", Mortensen acerta o sotaque, a pose, o estilo, mas acima de tudo enche o personagem de pequenos pormenores de humanidade, enquanto corta dedos e degola pescoços. Convencer-nos de que é um homem como nós enquanto causa estas barbaridades é obra. E a cena em que, completamente nu numa sauna, defronta dois chechenos, vai ficar com o espectador muito depois de ter visto o filme. É uma garantia pessoal.

Questões artísticas e intelectuais à parte, é um Cronenberg em versão contida, mesmo comovente (e como é raro utilizar este adjectivo com Cronenberg, mas é plenamente m,erecido), mas ainda assim um Cronenberg vintage, um grande filme para quem não goste de ver cabeças a explodir, homens transformados em insectos e insectos humanos. Para isso, a gerência recomenda os Cronenbergs sem Mortensen.

1 comentário:

João Santiago disse...

o filme é bom sim senhor. Recomendo.

p.s- bruno, parece-me que Lynch é uma coisa e cronenberg é outra. Cada um à sua maneira.