domingo, janeiro 18, 2009

"The curious case of Benjamin Button"


Chega uma altura, quando nos pomos a tentar descrever filmes, em que colidimos com algo que não pode ser medido com palavras. O que nos faz sentir, o que provoca dentro de nós é demasiado puro para isso. Agora que penso bem, de entre tudo o que vou escrever a seguir, esta é a verdade mais primária que vos posso transmitir acerca de "The curious case of Benjamin Button". Análises técnicas, dissertações filosóficas, pormenores triviais... Tudo isso é supérfluo quando se fala desta obra-prima de David Fincher acerca de um homem, Benjamin Button, que nasce velho em corpo, mas com mente de criança, e vive o seu percurso vivencial ao contrário, chegando aos 80 e tal anos com os aspecto de um recém-nascido. O filme parte de um gimmick engenhoso e catchy e analisa não só a vivência de Benjamin Button com esta anomalia, mas acima de tudo o que ela provoca nas pessoas com quem contacta, especialmente Daisy, a mulher que ele ama.

Tendo um argumento escrito por Eric Roth, autor de "Forrest gump" (com quem se têm tecido alguns paralelismos) e tendo um ponto de partida tão fabuloso, no sentido de fábula, este filme estava em condições de descambar. O facto de se apresentar com a ambição de ser um tratado sobre a vida, a existência, o amor e a condição humana vista por um aparente ingénuo era meio caminho para a tradicional injecção de sacarina, o "tenho tão pouco tempo para viver contigo, mais vale aproveitarmos, porque não sei viver sem ti", o arrastar para um sentimentalismo doentio de que muito realizadores abusariam. No entanto, com David Fincher ao leme, tornou-se impossível entrar por aqui. Um dos grandes cínicos do cinema actual, Fincher é a razão pela qual este filme funciona plenamente, pois a sua sensibilidade transforma Benjamin num personagem real, coloca a história em termos que, mesmo que no meio do fantástico, lidáveis para o epsectador comum e acima de tudo, nunca transforma a história de amor entre Benjamin e Daisy numa balada da co-dependência, das duas metades que não se podem separar, da necessidade doentia de outra pessoa sem a qual a vida não faz sentido. Fincher encara o amor como uma relação entre duas pessoas, que embora não necessitem uma da outra para poderem continuar a viver, saber que a sua vida será um bocadinho melhor enquanto estiverem uma com a outra; e honestamente, esta é a definição de amor com a qual me sinto mais confortável, e a que corresponde à realidade. Benjamin e Daisy não são amantes perdidos no rasto das estrelas, nem duas pessoas que o destino escolheu emparelhar: têm uma ligaçãoq ue evolui logicamente e se concretiza na altura certa, e é isso que torna especial e mágica, na sua maneira. É nestes pormenores que o filme se assemelha à vida e é um espelho desta. Benjamin Button, o personagem é um observador passivo, movimentado pela sua curiosidade e pelo facto de saber, à partida, que o seu tempo está contado e que a melhor forma de viver é aproveitando cada momento em que se respira. O facto de começar a sua vida tendo como amigos idosos, já com experiência de vida, e não crianças, ignorantes como ele, talvez seja importante. Ao contrário de ver a sua condição como uma maldição ou uma partida do destino, ele dá graças por estar vivo e por aproveitar o tempo que lhe foi concedido, aprendendo com as pessoas que vai conhecendo. Benjamin Button, andando para trás, é a nossa urgência de viver, é o tempo que nos persegue. O tempo é, na verdade, o principal personagem deste filme, e Benjamin, destinado a ver morrer praticamente todas as pessoas que conhece, é o sombrio, e no entanto positivo, quadro que vemos e sentimos dentro de nós.

Claro que este filme não resultaria se não fosse a impressionante consistência técnica que o envolve: Claudio Miranda, habitual colaborador de Fincher, mas que tem aqui o seu primeiro trabalho como director de fotografia, faz de cada cena um belíssimo quadro e ficam na retina momentos como quando Daisy dança para Benjamin ou um outro, perto do final, já com Daisy idosa e Benjamin bébé. Toda a equipa de guarda-roupa e production design faz um trabalho minucioso de recriação, mas o destaque óbvio, num filme desta natureza, tem de ser dado à caracterização e efeitos visuais. Arriscava-me a dizer que pela perfeição, estamos perante um trabalho revolucionário na área do digital, onde se superimpõe a face de um intérprete noutro corpo sem que a sua expressão facial perca com isso e sem que a interpretação se ressinta. O passar da idade pelos personagens de Brad Pitt e Cate Blanchett dá-se na sua inteira crença de que eles têm a idade que pretendem ter e o resultado pode ser comparado, em termos de evolução, ao aparecimento dos dinossauros em "Jurassic Park". Pitt e Blanchett têm duas excelentes interpretações (sem esquecer as secundárias Taraji P. Henson, irreverente e generosa como mãeadoptiva de Button, e Tilda Swinton, uma mulher seca pela vida e que a volta a ganhar ao encontrar Button), embora diferentes. Blanchett é expansiva, é jovial e extrovertida, indo dos 23 anos aos 90 e tal, cada inflexão, cada expressão correspondendo à idade que representa, num espantoso trabalho de composição. Pitt tem o arrojo de seguir o caminho mais difícil e interpreta Button como alguém passivo, que vê a vida de fora. Não é histriónico, é generoso para com o filme e a sua actuação é exactamente o que este precisa para se tornar em algo de marcante. Mas é impossível falar deste filme e não destacar o trabalho de David Fincher, cada vez mais a afirmar-se como um dos grandes cineastas contemporâneos. Se "Zodiac", filme de "2007", foi a sua afirmação de maturidade, "The curious case of Benjamin Button é a confirmação de que Fincher pode realmente fazer o que quiser. Este é o seu primeiro filme universal, que pode chegar a toda a gente. Estranhamente, marca um percurso circular que começa com "se7en", onde afirma a falência do mundo e da sociedade e acaba aqui, onde a luz entra finalmente no mundo de Fincher. Se bem que pareça estranho associar este filme ao realizador, é minha opinião de que "Fight club" é bem mais luminoso do que parece e acaba por chegar a conclusões semelhantes às de "Button". Mas isso é assunto para outras teorizações. O filme é o que é graças à minúci e perfeição de Fincher e da sua própria personalidade, uma história de amor vista por um cínico, e é ele o principal responsável pela obra-prima a que assisti. Estará nos Óscares, e isso só peca por atraso.

E é isto, o máximo a que posso reduzir esta experiência de ver "The curious case of Benjamin Button", um filme que me abanou e continua a abanar, um ponto de partida para começar a ver a vida de forma diferente. Ou se quiserem, apenas uma obra-prima do cinema que verdadeiramente interessa, oq ue nos confronta com a vida e nos obriga a sentir alguma coisa a sério.

3 comentários:

João Santiago disse...

Vimos o filme ontem. É realmente muito bom.
Gostei sobretudo da história e de que ela tenha nos feito esquecer que é impossível uma pessoa rejuvenescer.

Nuno disse...

Excelente sinopse!!!

Ela disse...

pORCARIA DE CIDADE ONDE ESTOU METIDA, QUE NÃO TEM UMA SALA DE CINEMAAAAAAAAAAAAA!