quinta-feira, novembro 29, 2007

Experiências com a morte


Objectivamente, a pior experiência que já vivi, muito mais do que coisas amorosas ou relacionais, muito mais do que notas de faculdade ou problemas com os pais, foi quase ter sufocado até à morte. É, por muito que blogs EMO e gente propensa a lançar alertas de suicídio queria enraivecer os seus sentimentos, a segunda pior coisa que nos pode acontecer, apenas suplantada pelo acto efectivo de falecer.
Isto deu-se há uns anos, era um jovem já com pêlos no peito e tinha 15 anos. Numa caminhada nocturna que se deu numa actividade de escuteiros, fugíamos de um fogo, embora não fosse isso que me pusesse em perigo a vida. Quer dizer, se em vez de andarmos, tivéssemos ficado deitados, já era um caso diferente. Mas decidimos andar, atabalhoadamente, sem grande nexo. Isto, claro, deu alguma bronca. No meu caso, que estava desidratado, descambou para o pior. Nervoso, deu-me para vomitar. O problema é que o meu corpo estava em modo de escassez de líquidos, o que fez com que o vómito, perdoem-me o grafismo, ficasse preso na minha garganta. O resultado lógico, está claro, foi a minha total incapacidade em respirar. Para quem nunca experimentou, nem tente imaginar, porque não vale a pena. É cem vezes pior do que imaginam: a impotência em não conseguirmos fazer nada, a sensação de que podemos ficar ali e acabou e a cara das pessoas à nossa volta, cujo terror triplica o nosso. Não é bonito. Felizmente, um dos escuteiros que me acompanhava percebia uma ou duas coisas de primeiros socorros e aplicou-me com sucesso a manobra de Heimlich, provavelmente um dos únicos tipos alemães de que gosto a sério. Consegui expelir o monte de vómito duro e após ter bebido alguns goles de água, pude seguir o meu caminho, porque, enfim, dizem que o fogo pode queimar. Era uma teoria lançada na altura que ficou comprovada este ano na Califórnia.
Nunca me esqueci disto. Esperava nunca mais a repetir. Mas o que é certo, é que já vivi algo de próximo depois. Várias vezes. Ao acordar, o que torna a coisa ainda mais poética, porque se acordar é o mais próximo que podemos ter de ressuscitar numa vida normal, ressuscitar para sentir a morte logo a seguir é incrivelmente frustrante. Embora não seja frequente, acontece-me dormir com os braços debaixo do meu peito, virado de barriga para baixo. Quando isto me dá, durante o sono, tenho um despertar incrivelmente assustado: abro os olhos, o ar não entra nem sai, não me consigo mexer, não consigo falar. Sou um cadáver, com a diferença de que os cadáveres normais não sentem metade da aflição que esses pequenos segundos me provocam. Depois, com alguns truques que fui aprendendo, vou desentorpecendo, e alguém parece girar a chave de ignição para que o meu corpo funcione mais uma vez.

Penso nesta pequena experiência quando não me sinto bem com a minha vida e me sinto triste. Porque se eu tenho a capacidade para "vencer" essa morte, de saltar sobre ela e ter a oportunidade de experimentar a vida, porque me hei-de sentir tão triste e cabisbaixo naquelas ondas que são como as monções, que me assolam o interior e me inundam numa coisa triste que eu nunca sei o que é, só sei que não é tristeza? Não sei, mas também me faz morrer um pouco.
No entanto, da próxima vez que "vencer" a morte, sei que vou ressuscitando esse pouco que morreu. Porque a minha alegria é feita de esperanças parvas.
E nesta frase, em vez de complexo, sou um humano normal.

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