sábado, novembro 25, 2006

Work in progress

Está em construção permanente, e ainda vai ser sujeito a revisão e cortes, mas este é o texto, em voz-off, que abrirá o primeiro episódio da série que estou a criar e que tentarei, até às últimas consequências, transformar em realidade. Um exclusivo deste blog..

“Lendas, em Portugal, sempre as houve; e estas juntas com milagres aparecem à farta nos vários compêndios de mitos e narrativas que por aí podemos encontrar. Desde moiras encantadas, cavernas misteriosas, locais históricos com muito mais do que se pode pensar, até a própria Virgem Maria sobre uma azinheira e mesmo um rei que, talvez imortal, há-de regressar um dia sobre um cavalo numa manhã de nevoeiro. O nosso país foi abençoado pelo dom da imaginação e felizmente não falta colorido à nossa cultura e à nossa História. Daí que, quando se ouviu falar de um sobreiro mágico no Alentejo, toda a gente encarou tal notícia com um sorriso, havendo mesmo quem elogiasse a inventiva mente por detrás de tal enredo.

Em S. Marcos da Serra, localidade alentejana onde toda esta história tem lugar, não se falou de outra coisa durante meses: acidentalmente, a dona de uma pequena propriedade junto à auto-estrada descobrira no seu território um entroncado e torto sobreiro que parecia normal. Mas quando investigado mais de perto, notou-se que possuía um estranho perfume entranhado na sua casca, levemente remanescente do das rosas. Isto começou a atrair curiosos: toda a gente queria ver o prodígio e cheirá-lo ao vivo. Antes de local de curiosidade, era o singelo ponto de encontro de um grupo de populares que ali se reuniam para rezar o terço e por isso não tardou até chegar o primeiro relato místico. Com efeito, um homem, numa dessas sessões de reza, escreveu, em êxtase, algumas linhas que eram atribuídas a Nossa Senhora, em que ela se confessava culpada daquele milagre e pedia que transformassem aquele local num espaço digno e santo. Surgiu ali o grupo de culto do sobreiro de São Marcos da Serra.

Curiosamente, o pároco local não se quis aproveitar da situação: negou a santidade de tudo aquilo, acusou o grupo de brincar com as expectativas das pessoas e aconselhou a população a ignorar o sobreiro. Os factos vieram a comprovar que o velho pároco era muito ingénuo: primeiro, as pessoas da terra converteram-se; depois, chegava gente de toda a parte para rezar naquele sobreiro, beijá-lo, tocá-lo, deixar figuras de santos e da Santíssima Trindade; seguiram-se as sessões de terço semanais, nas tardes de domingo. Quem a visse agora, deparava-se com uma árvore repleta de papéis, rodeada por uma cerca, onde antes estava um anónimo sobreiro, muito descansado. Mandou-se analisar a cortiça e os cientistas explicavam tal odor como a intervenção de um fungo. Quando questionados acerca da possibilidade de tudo aquilo ser um embuste, em que o perfume da árvore era artificial e colocado por alguém, os homens de ciência, do alto do seu pináculo, limitaram-se a retorquir que isso implicaria que teria de haver uma pessoa que despejasse baldes inteiros de fragrância todas as noites, pois em condições naturais, o perfume ter-se-ia evaporado e desaparecido no dia seguinte. A prova que faltava para desmascarar esta teoria veio com a intervenção inesperada de um camionista. Certo dia, estacionado o seu camião à beira da auto-estrada, como bom português, saiu de rompante do veículo, armado com um balde de água e uma toalha. Passou por toda a gente e começou a esfregar o sobreiro com força, bradando:
- Vocês vão ver! Vou tirar esta porcaria toda! Vão ver como é uma patranha!
Mas o certo é que quanto mais ele esfregava, maior era o cheiro no ar e mais poderoso se tornava. Uma vitória para os sempre crentes e uma derrota para os cépticos simples. Porém, a ciência não desarmava e mantinha a explicação do fungo. A eterna luta entre ciência e religião, que é afinal a grande luta dentro das nossas cabeças e da nossa natureza humana, tinha aqui mais um campo de batalha.
Mas a pergunta mantinha-se, apesar de toda a fé: de onde vem essa força?

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